quarta-feira, 13 de março de 2019

Lido: História do Ingrato Punido

Este exercício do Italo Calvino é realmente muito curioso. (E se não sabem de que se trata, leiam o que escrevi aqui.) Este primeiro resultado tem um forte tom de conto popular, mas torce-o de uma forma muito invulgar com a narrativa muda feita através das cartas do Tarot. Quem a narra por escrito não é o seu protagonista, e só pode adivinhar o que este quer dizer não só com as cartas que pousa na mesa mas também com a mímica e as expressões faciais que utiliza ao fazê-lo.

Há, apesar disso, muitos traços em comum entre esta História do Ingrato Punido e as histórias tradicionais, ainda não sei bem se propositadamente ou por casualidade (se bem que, sendo Calvino quem é, duvido muito que fosse realmente casual). Começando pelo título descritivo, pois o que aqui temos é realmente uma história de um ingrato que é punido, passando pelo tom entre o fantástico e o maravilhoso, e terminando no ambiente mais ou menos medieval, com o narrador-mudo a desempenhar o papel dos príncipes dessas histórias (não o seria realmente, mas era decerto fidalgo abastado) e a respetiva donzela, que desflora e logo de seguida desengana, a servir de motor primordial do enredo. E uns pozinhos de magia a temperar.

Há que dizer que a história em si não é particularmente interessante ou surpreendente, valendo o conto sobretudo pelo truque narrativo e pela qualidade no uso da linguagem. Desconfio que será o caso de todas estas histórias mas ficarei muito contente se me enganar em tal desconfiança: é que a forma, por melhor que seja, não costuma chegar-me. Preciso de conteúdo, e aqui o conteúdo é relativamente escasso. O artifício literário é muito interessante, sem dúvida, e basta para tornar interessante também o conto, mas o que me passa pela cabeça ao ler é muito mais a frieza da análise sobre como Calvino consegue criar a história a partir das cartas de tarot e contá-la limitado pelo pressuposto da mudez do narrador do que qualquer espécie de interesse pela história em si. E ao contrário de um livro como As Cidades Invisíveis, que é igualmente frio mas cujas descrições fornecem asas à imaginação do leitor, transportando-o àqueles lugares, aqui isso não acontece.

Pelo menos nesta história. Veremos se as coisas são diferentes nas próximas.

Conto anterior deste livro:

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