Embora costume associar-se a ficção científica a um certo olhar ateísta, ou pelo menos agnóstico, sobre o desenvolvimento da humanidade, o que tem origem no facto de a maior parte — mas nem todos — dos melhores e mais consagrados autores de FC da história terem esse tipo de visão, sempre houve uma corrente ciencioficcional que foi buscar inspiração às religiões, e sobretudo aos vários ramos do cristianismo. Um título como El Evangelio Según San Marcus só não faz imediatamente supor que este conto se insere nessa corrente porque não há nada nele que indique que o conto é de FC. Mas quando se começa a ler esta história de J. A. Fernández Madrigal percebe-se que sim, é isso mesmo, tudo isso.
O «e se?» (essa pergunta que tanta FC gera) que deu origem a esta história parece ter sido: «e se um homem com todos os poderes que a mitologia atribui a Jesus Cristo (e mais alguns, talvez) surgisse hoje em dia ou num futuro próximo?» Como? Bem, estamos em território de FC, portanto qualquer coisa genética, uma mutação improvável, arruma a questão. Mas pouco importa. Porque, como tantas vezes acontece na ficção científica, o que é realmente importante não é o mecanismo pelo qual as coisas acontecem, mas sim a reação das pessoas e da sociedade como um todo ao acontecimento.
Madrigal mostra-no-la sobretudo por intermédio de uma espécie de apóstolo do novo messias (o qual nega sê-lo com graus variados de veemência). É ele que funciona como narrador da história, e em parte também como protagonista, descrevendo ao leitor o que vai sentindo à medida que ela se desenrola. E o que vai fazendo, também.
O conto está bem escrito, e consegue manter com sucesso um equilíbrio delicado entre a reverência perante a mitologia que lhe serve de base e a análise do que aconteceria se no mundo moderno (ou um pouco à frente) surgisse um homem todo-poderoso. Talvez por não ir muito fundo nessa análise — afinal, para o fazer seria necessário escrever um romance, não um conto — e portanto acabar por seguir com alguma fidelidade o rumo dos acontecimentos que a mitologia determina. Mas alcança uma profundidade suficiente para não ser daqueles contos pastilha-elástica, sem grande conteúdo e por isso mesmo irrelevantes. E além disso está bem escrito.
Este é um bom conto.
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