Ao ler os velhos contos do romantismo é com bastante frequência que saio da leitura com um conjunto bastante contraditório de impressões. Se por um lado sou perfeitamente capaz de apreciar o domínio narrativo e linguístico desses escritores, por outro algumas características do estilo, do movimento ou do que lhe queiram chamar mexem-me violentamente com o sentido do ridículo e até, por vezes, com os nervos. É boa literatura? Será. Mas às vezes é para mim praticamente ilegível.
Ora, o francês Théophile Gautier foi um dos expoentes desse mesmo romantismo, e muito em especial da sua vertente mais fantástica. Saíram-lhe da pena algumas das obras mais conhecidas do movimento (de uma delas falarei aqui em breve, vou já avisando) e ele não se limitava a produzir textos enquadrados ou pelo menos influenciados por ele; defendia-o com unhas e dentes.
Entra em cena A Cafeteira (bibliografia), um conto curto de 1831 que se insere na subcategoria dos casarões assombrados e onde vários dos irritantes do romantismo marcam presença. Mas o conto não chegou a aborrecer-me; em parte por ser bastante curto, o que o torna razoavelmente leve, sem grandes exageros sentimentais, e justifica até certo ponto a instantaneidade de certos acontecimentos.
Sim, porque aquele velho chavão do romantismo lá está, como talvez fosse inevitável estar: o amor instantâneo e irresistível. O protagonista, ao alojar-se num quarto assombrado de um velho casarão, tem a noite perturbada por assombrações mas estas, longe de serem coisas grotescas e terríveis, são — ou parecem ao protagonista ser, depois de passado o susto inicial — benfazejas, até um pouco divertidas, uma procissão de fantasmas dos velhos antepassados do proprietário da casa, que querem apenas passar uma noite divertida, com chá, danças e risos. Pelo menos até que os olhos do protagonista caem numa donzela, linda, claro, pois não existe outra qualidade nas mulheres, sejam elas de carne e osso ou de ectoplasma, e claro que ele fica num êxtase instantâneo de paixão. No fim, tudo acaba em tragédia de faca e alguidar. Mas há neste conto mais humor do que propriamente drama. Não sei se assim é, não tenho certezas, mas pareceu-me que Gautier reconhece o ridículo da sua trama e brinca propositadamente com ele. Pelo menos nesta história.
E, claro, o conto está muito bem escrito. Por aí não há nada a dizer. É boa literatura e não, não é da que referi no início deste texto, aquela que para mim se torna praticamente ilegível. Não terei adorado a experiência de leitura, que não adorei, mas este conto leu-se razoavelmente bem.
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