quarta-feira, 29 de abril de 2020

David Reed: Manhã

Uma das coisas que me atraem nos contos é a capacidade que o formato curto tem de explorar ideias arriscadas sem o investimento necessário para uma ficção mais longa. Quando corre bem, o resultado pode mesmo chegar a inserir-se no grupo das histórias mais originais e fascinantes que existem na literatura. E quando não corre, fica pelo menos no leitor a sensação de que OK, o resultado pode não ter sido o melhor mas o esforço é meritório. Certo, nem sempre. Mas com frequência.

É um pouco o que acontece com este Manhã (bibliografia), de David Reed. Trata-se de uma história estranha, passada integralmente num vasto castelo. Este, propriedade de um tal Conde de Luna, é simultaneamente uma armadilha montada pelo conde, pois este decidira matar todos os que convidara para uma festa. Não com veneno ou alguma espécie de violência, mas de uma forma bastante mais sofisticada. Através de um campo de estase (que a péssima tradução transforma num quase pornográfico "campo de êxtase"... patético) cujo alcance vai lentamente subindo, da base do castelo até à mais elevada das torres.

Sim, a coisa é bizarra. Aparentemente, o tal Conde de Luna tinha andado a viajar por lugares (dimensões? mundos?) distantes e tinha trazido de lá muitas coisas estranhas e maravilhosas. Leia-se: tecnológicas. E uma dessas coisas é o tal campo de estase, totalmente desconhecido pelos seus conterrâneos, e bastante incompreendido por ele próprio, uma vez que confunde com morte a paralisação de toda a atividade, uma espécie de paragem do tempo, que é o significado adotado na FC para um termo médico que significa apenas a paragem da circulação dos líquidos orgânicos.

É bom, o conto? Não sei bem. Em parte porque qualquer qualidade literária que pudesse ter foi basicamente destruída pela tradução, e em parte porque não creio que a reflexão que o autor parece pretender fazer sobre a multiplicidade das respostas humanas à iminência da morte esteja particularmente bem conseguida ou seja razoavelmente profunda. Esta é uma fantasia científica que me deixa com bastante mais dúvidas do que opiniões sólidas, mas que não me parece ultrapassar a mediania.

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