Parece que a cada conto que leio, neste livro de José Viale Moutinho, mais gosto do que leio. Se assim continuar até ao fim (improvável, bem sei), o último será simplesmente magnífico. Este Os Alçapões do Sol não chega lá, mas já é francamente bom.
Trata-se de um conto-homenagem. De resto, não é o primeiro nem o segundo: todos os contos deste início de livro estão dedicados a algum escritor, e parecem conter pelo menos alguns elementos de homenagem literária à obra do alvo da dedicatória. Mas aqui a homenagem é substancialmente mais explícita, pois a inspiração do conto são, como Moutinho declara na própria dedicatória, versos que José Gomes Ferreira compôs para dar vazão à emoção sentida ao visitar o irmão preso pela ditadura salazarista pelo imperdoável crime de se recusar a dar dinheiro para apoiar os franquistas na guerra civil espanhola.
E é precisamente esse episódio que Moutinho ficcionaliza. E o que é mais interessante, para mim, é ele o ter feito de uma forma profundamente fantástica. Não é um conto em que os acontecimentos se encadeiem de forma fria e objetiva; há nele dureza, e não pouca, mas é uma dureza temperada com uma atmosfera onírica que traz a tudo um elemento de irrealidade e insubstancialidade. Mountinho parece querer com isso transmitir a ideia de que todo o episódio é tão absurdo que só faz sentido num pesadelo. O episódio e, por extensão, as ações das personagens e o próprio regime, um regime que é capaz de prender pessoas por não quererem financiar uma guerra noutro país.
Este é um conto surpreendentemente bom para um livro que começou como este começou. E eu estou cada vez mais curioso com os cinco que vêm aí.
Contos anteriores deste livro:
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