sexta-feira, 22 de outubro de 2021

José Viale Moutinho: «Negra Sombra, Negra Sombra!»

Caraças! Que conto!

José Viale Moutinho leva-nos aqui à raia minhota e aos tempos da guerra civil espanhola, na época em que as tropas franquistas, já dominantes na Galiza, andam à caça de republicanos, reais ou imaginários, a fim de os prenderem, torturarem ou simplesmente assassinarem. Mas não nos leva diretamente; leva-nos através de cartas que um dos membros dos pelotões franquistas envia ao neto de uma das suas vítimas, não se percebe porquê. Ele, nas cartas, diz que é para pedir perdão, mas não parece lá muito. Há uma sombra bem negra sobre tudo, sim, como o título de «Negra Sombra, Negra Sombra!» (sim, com as aspas) bem indica.

A história é contada de modo episódico, entrecruzando-se o passado descrito pelas cartas com o presente, época em que o destinatário daquelas procura descobrir quem é o homem e o que há de verdade ou mentira no que lhe escreve. Pois as cartas são anónimas e enviadas de lugares diferentes, o que só adensa o mistério. E também há narrações de acontecimentos contemporâneos aos descritos nas cartas, mas vistos do lado de cá da fronteira, onde só chegam os ecos e os clarões dos tiros dados em Espanha e um ou outro galego fugido à guerra, sob o olhar atento da instituição que antecedeu a PIDE. O impacto do conto, no entanto, está todo na brutalidade franquista. Ou melhor, na mistura de brutalidade com a forma como o das cartas se pinta em jovem: um tipo normal que se deixa levar pela pressão de grupo e faz assim coisas imperdoáveis. E no fim, temos uma surpresa, que vistas bem as coisas não devia ser surpresa nenhuma.

Este é um conto muito bom. Mesmo muito bom. O melhor do livro até ao momento.

Contos anteriores deste livro:

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