domingo, 4 de setembro de 2022

Luís Filipe Silva: Dormindo com o Inimigo

O Luís Filipe Silva é daqueles autores que quando acertam são excelentes — ele escreveu alguns dos melhores contos da ficção científica portuguesa, afinal — mas nem sempre acertam, pelo que quando pego num conto dele estou sempre esperançado de encontrar o melhor mas preparado para o não tão bom. Sendo que "não tão bom" não é sinónimo de mau: os piores contos dele são histórias medianas, com qualidades suficientes para se tornarem interessantes mas também com problemas que as impedem de ser realmente boas.

Neste Dormindo com o Inimigo (bibliografia) não encontrei o melhor LFS mas também não encontrei o pior. Trata-se de uma história de futuro distante, com o seu quê de fantasia científica, como as histórias de futuro distante tendem a ter, por algum motivo que ainda não compreendi bem (a dificuldade de realmente imaginar um futuro distante, talvez? Não sei).

O protagonista é o último homem sobre a Terra, que vive uma vida solitária e involuntariamente celibatária porque, simplesmente, não tem com quem não o ser. O derradeiro incel, portanto. Mas eis que um belo dia descobre uma fêmea.

E sim, a palavra certa é mesmo fêmea, não mulher, pelo menos no entendimento dele. Não se trata da última mulher sobre a Terra, parecendo pertencer a uma espécie pós-humana qualquer cuja evolução tenha sido feita com base em atavismos, adquirindo características claramente simiescas a par de outras inegavelmente humanas. Pelo menos aparentemente. Mas nada disso importa ao protagonista; um incel é um incel e age como incel sempre que o desejo não correspondido e insatisfeito levanta a sua feia cabeçorra. Consequentemente, depois de um período de sedução feito com base na oferta de alimento, siga para a violência e a violação.

No fim, a coisa termina num final surpresa que, embora seja um final adequado para a forma de agir do último homem sobre a Terra, me pareceu demasiado próximo de um deus ex-machina para realmente funcionar. Um deus ex-machina que resolve o enredo com base numa biologia que não faz sentido e não é explicada de nenhuma forma. Fantasia que se intromete numa história que até aí era (ou parecia ser) FC propriamente dita, apenas porque era necessário arranjar uma forma de haver consequências para os atos do protagonista.

É este o principal motivo por que não me parece que este conto chegue realmente a ser bom, embora também não o ache apenas mediano. Sê-lo-ia se fosse oco, mas não é: tem conteúdo. Portanto parece-me estar algures na transição entre mediano e bom, talvez mais perto deste do que daquele.

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