domingo, 11 de setembro de 2022

João Barreiros e Luís Filipe Silva: A Madrugada dos Deuses

É com esta história, em que pela primeira vez as vozes de João Barreiros e Luís Filipe Silva se misturam, que a narrativa deste livro começa a tornar-se mais sequencial. Até aqui, cada nova noveleta ou novela levava-nos a um novo cenário e/ou a um novo conjunto de personagens, com pouca ligação entre umas e outras (a exceção notável é a de Mr. Lux, personagem ou protagonista de mais que uma história, o qual entretanto desapareceu há muitas páginas). Mas em A Madrugada dos Deuses (bibliografia) vamos reencontrar Joel, ainda contaminado pela tecnologia avançada das potestades, e Ka-lir, o seu "irmão" vulpis, chegados diretamente da história anterior.

O cenário, no entanto, muda. No fim de A Agonia da Arte Reprimida, os dois põem-se em fuga, impelidos por uma inteligência artificial avançada que se associara ao jovem Joel, ajudando-o a sobreviver. Aqui vamos descobri-los no destino dessa fuga: a selva colombiana, local onde um barão da droga preside a um vasto império criminal, apoiado por um exército de muchagueros.

E o que fazem um adolescente humano e um adolescente alienígena, este último em desobediência direta às ordens do seu perigoso pai, no território de um barão da droga? Não é por vontade própria que vão lá parar; é a entidade associada a Joel (por simbiose? parasitismo?) que ora os convence ora os coage a isso. Porquê?

É esse porquê que faz mover a história. Esta é tão movimentada como seria de esperar, cheia de peripécias e de revelações, mas o que lhe confere realmente interesse é o mistério que está na base da longa viagem.

Esse mistério é revelado após uma longa sequência alucinatória em que Joel mergulha de cabeça na fonte da droga comercializada pelo barão. É óbvio desde o início de que está tudo ligado à presença alienígena em volta da Terra e no próprio planeta, mas o modo como exatamente as coisas se ligam é revelado agora. O barão da droga, para começar, não é humano. E, mais importante do que isso, a droga também não é terrestre, sendo necessária à entidade que contaminara Joel para completar o seu controlo sobre o jovem. É como se fosse para ela uma espécie de alimento. Um alimento que lhe confere poder e lhe dá novas capacidades.

Essa entidade, já agora, é um ixyitil, ou pelo menos um constructo artificial criado por essa espécie alienígena todo-poderosa que se opõe (desde tempos imemoriais) às potestades. E, se as potestades surgem no início deste livro sob a forma (e o nome) de anjos, encarnações do bem, os ixyitil desempenharão o papel de encarnações do mal, o que parece ser confirmado pela utilização de Joel como mera ferramenta, de uma forma completamente indiferente ao seu destino, vida e autonomia. Mas se calhar não é bem assim.

Certo é que o que os autores aqui fazem é deixar o leitor a torcer pelos ixyitil; afinal, são a parte mais fraca, a parte que está em fuga, perseguida por forças aparentemente mais poderosas. E se o que fazem causa danos, bem, serão os famigerados danos colaterais. Afinal, uma guerra é uma guerra.

Esta história continua a ser bastante boa. No entanto, tem uma natureza transicional que faz com que não funcione tão bem, se lida isoladamente, como as histórias anteriores. É sobretudo um preparar de cena para a história seguinte. Um mosaico, neste "romance em mosaicos", que só faz real sentido quando integrado no todo.

Então, seja. Passemos à história seguinte.

Contos anteriores deste livro:

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