segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Algernon Blackwood: O Wendigo

Há muito em comum entre Os Salgueiros e esta segunda novela de Algernon Blackwood (segunda na sequência do livro, entenda-se). Como na primeira das duas novelas, também em O Wendigo (bibliografia) vamos encontrar um grupo de homens afastados da civilização, sozinhos na vastidão selvagem, e é essa tensão entre o homem, mais ou menos civilizado, mais ou menos burguês, e os territórios em que a natureza impera com todos os seus perigos que nem sempre são naturais que está no centro de ambas as narrativas.

O ambiente, contudo, é bastante diferente. Aqui estamos nas grandes florestas canadianas, onde vamos encontrar um grupo de caçadores bastante heterogéneo que se prepara para se dividir em dois. É que andam sem sorte nenhuma, os alces que pretendem caçar não se deixam encontrar em lado nenhum e por isso não têm um troféu para amostra, pelo que chegam à conclusão de que se se separarem pelo menos poderão bater uma área maior, aumentando assim as possibilidades de alguém conseguir levar para casa uma armação.

São ao todo quatro, pois no racismo implícito (e muitas vezes explícito) nas ficções de há cento e picos anos só contam realmente os homens brancos e o quinto elemento do grupo é um índio. Este pouca influência tem na narrativa, de resto, servindo sobretudo como uma espécie de ponte entre a natureza que os rodeia e à qual são fundamentalmente alheios e o mundo do homem branco a que todos os outros pertencem. Mesmo que só dois deles, dois escoceses, sejam verdadeiramente quem ali domina, dado que os outros dois, ambos canadianos, lhes servem de guias.

Sim, claro, além de racismo teria sempre de haver também classismo. Fruta da época, com certeza. Um olhar mais sociológico sobre este tipo de ficção encontra material com abundância para estudar as relações de dominação prevalecentes nos primórdios do século XX. Dominação imperial, sobretudo, mas esta lança tentáculos sobre todas as outras... ou são as outras que levam diretamente àquela, talvez.

Mas adiante. Regressemos à literatura.

O grupo divide-se, e a partir daí passamos a acompanhar o mais jovem dos dois escoceses, um estudante, que se embrenha na floresta na companhia do seu guia franco-canadiano. E aí regressamos quase inteiramente ao ambiente de Os Salgueiros: dois homens sozinhos na natureza enquanto esta se transforma em sobrenatureza e faz valer o seu domínio ancestral.

E tal como em Os Salgueiros, todo o ambiente criado, o pavor que o desconhecido causa naqueles que são alheios àquela terra, e o crescendo de tensão que surge com o aparecimento do sobrenatural na história, tudo isso está muitíssimo bem conseguido. É certo que o impacto seria maior sem as semelhanças que esta história mostra face à que abre o livro; isto é, sem aquilo que soa um pouco a déjà vu. Mas que autor não se plagia a si próprio, pelo menos até certo ponto? E Blackwood fá-lo realmente bem.

Este é outro clássico, sim. E com bons motivos para o ser.

Contos anteriores deste livro:

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