Existe uma região, naquilo que é hoje a zona fronteiriça entre a Áustria, a Hungria e a Eslováquia, pouco depois de passar por Bratislava, em que o Danúbio se torna pântano e se subdivide numa miríade de braços separados por ilhas. É uma região bastante vasta, correspondendo a uns 50 km ou mais do curso do rio, e ainda existe (está, de resto, parcialmente protegida por parques naturais), apesar dos trabalhos de regularização do curso que foram sendo feitos ao longo dos anos, com a construção de canais e eclusas, imagino que para minorar cheias e manter o rio navegável. É nessa região que se ambienta esta novela.
Os pântanos sempre foram terreno fértil para histórias de terror. Como não o ser? São terreno difícil de atravessar, especialmente antes da tecnologia moderna o tornar mais acessível, são terreno confuso onde era fácil os viajantes perderem-se antes dos satélites do GPS virem resolver muitos problemas, e são terrenos húmidos onde a água, estagnada, nem sempre é particularmente salubre e onde as névoas são comuns. Não é difícil povoar um ambiente desses com monstros, com criaturas do além, com mistérios sobrenaturais, e foi precisamente o que fez a imaginação popular e os muitos escritores que escreveram sobre ele. Algernon Blackwood é um deles, e esta sua história é realmente arrepiante.
A novela tem basicamente três protagonistas. Um é o narrador, visto que a história usa a primeira pessoa tão comum nos contos de terror. Outro é um sueco, seu amigo e companheiro de viagem, com o qual, por motivos que nunca são explicitados — a simples sede de aventura, provavelmente — o narrador está a descer o Danúbio de canoa. E o terceiro protagonista, provavelmente o mais importante, são Os Salgueiros (bibliografia) do título.
Tudo começa quando, contrariando os avisos que lhes são feitos pelos habitantes locais (e é sempre boa ideia ignorar os avisos de quem conhece as zonas, não é?), os dois aventureiros penetram no pântano, que parece até estar mais perigoso do que habitualmente porque o Danúbio está em cheia. Apesar da corrente forte, não conseguem transpor a área antes de cair a noite, e por isso decidem parar numa ilha das muitas que há na zona, baixa como todas as outras e, como todas as outras, habitada por salgueiros.
Blackwood consegue criar um ótimo ambiente opressivo de terror psicológico. O protagonista passa boa parte da novela a tentar lutar contra uma inquietação crescente, sobressaltado com todos os ruídos mas sempre na dúvida sobre se estes serão reais ou poderá estar, na realidade, apenas a imaginar coisas. Ruídos e não só; também acontecem umas aparições que os viajantes procuram racionalizar, sem grande sucesso.
No fim da história, no entanto, deixam-se disso. Cedem por completo ao sobrenatural, deixam de duvidar que as coisas bizarras que vão acontecendo acontecem de facto e passam a desejar apenas conseguir sair vivos daquela ilha. Vivos e o mais depressa possível. Mesmo quando parece impossível.
Tudo é muito bem feito. Este é um daqueles casos em que uma história é contada da forma certa, na extensão certa e com o estilo certo. Teria havido muitas formas de a estragar, mas Blackwood não o fez. Os Salgueiros é um clássico e, se é certo que nem sempre os clássicos me parecem merecer a distinção, este merece-a em pleno.
Muito bom mesmo.
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