Contos de N'Nori, de Carlos-Edmilson M. Vieira, é um pequeno livro que contém oito contos bastante diferentes uns dos outros. E é, também, um livrinho paradoxal.
Mas comecemos pelo início: Carlos-Edmilson é guineense, cidadão de um país onde ser-se escritor e escrever-se em português é, em si mesmo, uma improbabilidade. Não há país africano lusófono onde a língua portuguesa tenha uma presença mais frágil do que na Guiné-Bissau, fruto da história problemática e das dificuldades económicas do país, bem como da decisão política de promover mais o crioulo guineense do que o português como língua de comunicação entre as várias etnias que compõem aquele povo.
E o próprio Carlos-Edmilson, à semelhança da generalidade dos seus compatriotas, não tem no português a (ou uma das) língua materna. E é daí que vem o primeiro paradoxo, porque o uso que ele faz da língua oscila entre momentos de inegável qualidade e outros em que quase se sente a hesitação, a busca das palavras e o falhanço dessa busca.
Outro paradoxo prende-se com a própria edição. É de autor, e isso está bem patente no amadorismo da paginação e na ausência de uma revisão que lhe teria sido bastante útil. Mas, ao que parece, foi apoiada pelo Instituto Camões e pela Petromar, uma empresa que desconheço mas que uma pesquisa rápida no Google me sugere ser angolana e ligada aos petróleos, o que faz com que não se trate de uma edição de autor vulgar.
E outro paradoxo está em este não ser um bom livro, longe disso, e no entanto ser um livro bom.
Que quadratura de círculo é essa?
Rodeando para mais depressa chegar ao destino, direi que há livros muito redondinhos, muito bem escritos, muito bem editados, muito profissionais, muito cheios daquelas coisas de que, diz-se, se faz a literatura... e também muito vazios, muito alhos-chochos, muito sem nada dentro.
Detesto esses livros, confesso.
Contos de N'Nori é o oposto. É um livro cheio de falhas, pejado de defeitos, amador do princípio ao fim... e cheio de conteúdo. Carlos-Edmilson Vieira não escreve porque quer ser escritor ou porque gosta de brincar com as palavras; escreve porque tem coisas a dizer. Sobre si próprio, sobre os lugares físicos e humanos de onde vem, sobre, sobretudo, o seu povo e a sua conturbada terra. E isso, para mim, vale o livro.
Outrs coisa que vale o livro é, parece-me, a grande variedade de registos, que ajuda a sustentar o interesse. Sem essa variedade, com um tom mais uniforme, as falhas tornar-se-iam mais aparentes. A variedade, que existe até na qualidade do português, o que me leva a supor que estes textos foram sendo escritos ao longo de vários anos, ajuda a disfarçá-las. Há aqui crónicas, há histórias de amor, há uma deliciosa história fantástica que parece saída de uma lenda (e provavelmente é mesmo), há contos-denúncia, enfim, há muita coisa. Em menos de 100 páginas.
Por isso, não tendo gostado deste livrinho, até gostei dele.
Paradoxos, lá está.
Li este livro em versão eletrónica, um PDF que pode ser obtido no site do Instituto Camões. Teoricamente, este link deveria servir para obtê-lo, mas acabei de segui-lo e ir parar a outro sítio. No entanto, o problema não é grande: basta procurar pelo título para facilmente se dar com ele.
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