terça-feira, 18 de setembro de 2018

Lido: Corpo, Alma e Coração

Parece-me que reparei num padrão nestes contos de Carina Portugal. Quanto mais despretensioso é o conto, quanto mais descontraído e divertido pretende ser, menos a autora corre riscos com a linguagem e portanto menores são as probabilidades de esses riscos correrem mal. Pelo caminho inverso, quanto mais pretende usar a linguagem como elemento de efeito mais ou menos poético, mais as fragilidades que mostra no domínio do português vêm ao de cima e o resultado, longe de ficar melhor, fica pior. Às vezes bastante pior.

De resto, não é caso único; é fenómeno comum em escritores pouco experientes, que tentam ocultar a inexperiência elaborando a prosa sem se darem conta (também por causa dessa mesma inexperiência) de que ao fazê-lo só conseguem realmente sublinhá-la.

Certamente já terão compreendido que é isso mesmo o que acontece com este Corpo, Alma e Coração, conto em que o fenómeno é algo exacerbado pelo contraste que faz com a história que o antecede no mesmo livro. Enquanto A Menina que não Gostava de Doces funciona bem com a sua abordagem descontraída e bem-humorada ao ato de contar a história, Corpo, Alma e Coração é um conto sobrecarregado com palavras que procuram causar terror sem realmente conseguirem fazê-lo, em parte porque por vezes são mal usadas. Exemplo, um de muitos possíveis: "Aos meus olhos pareceu tudo tão lento, mas na verdade não demoraram mais do que um instante de segundo." É uma frase que abre um parágrafo, portanto nada existe que explique o plural de "demoraram" quando a referência é o singular de "pareceu tudo". E também nada existe que justifique a expressão "instante de segundo", pois um instante é sempre coisa instantânea em si mesma e aquele "de segundo" não está ali a fazer nada. Um instante não é uma fração; esta sim, é sempre de alguma coisa e só se sabe se é grande ou pequena com a referência da coisa que fratura.

Trata o conto de um sacrifício, não se percebe ao quê e porquê. Estritamente falando não seria necessário perceber-se, pois a história foca-se no medo do protagonista, atirado para uma situação mortífera que não tem nenhuma esperança de controlar (este, de resto, parece ser tema recorrente nestas histórias), mas na sequência de alguns dos contos anteriores isso faz com que acabe por reforçar a impressão de falta de contexto de que eles sofrem. À parte esse pormenor, no entanto, o que o conto tem de melhor é o ambiente, seguido de perto pelo enredo, mas a verdade é que a concretização deixa bastante a desejar. Este é, de forma clara, o mais fraco dos contos deste livro até agora.

Contos anteriores deste livro:

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