terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Bill Pronzini: Gato

Embora a metáfora mais comum para os géneros literários seja a de caixinhas dentro das quais as obras se enfiam e de onde não podem extravasar sob pena de já não pertencerem ao género, eu sempre a achei muito desadequada, porque implica que uma obra x é necessariamente coisa unidimensional e sempre achei a realidade bastante mais complicada do que isso. Para mim, uma obra relaciona-se com os géneros como um borrão se relaciona com a quadrícula numa folha de papel quadriculado: pode ocupar principalmente um determinado quadrado, e por isso se diz que é uma obra do género x ou y, mas estende-se quase sempre também por géneros próximos e por vezes há até um pingo que salta e vai cair noutro quadrado bem afastado.

E se há obras e autores que tentam conter-se em quadrados específicos, outros existem que parecem apostados em marcar presença no máximo possível de quadrados. Não sei se é o caso de Bill Pronzini, autor que nunca antes tinha lido. Mas é o caso deste Gato (bibliografia).

O que ficou dito acima, no entanto, não significa que a densidade do borrão não seja maior nuns géneros do que noutros. Gato é sobretudo um conto irónico de horror, apesar de ter elementos de ficção científica e de fantasia, através sobretudo de referências a histórias de diversos autores mas em particular de Fredric Brown. A história é bastante simples: um homem, que só queria ficar sossegado a ler ficção científica, depara com um gato em sua casa e, por mais que faça, não consegue ver-se livre dele. É que o gato aparece e desaparece, aparentemente a seu bel-prazer, o que deixa o desgraçado do protagonista paranoico primeiro, desesperado depois e por fim meio enlouquecido.

E é também uma homenagem, quer aos géneros fantásticos, quer aos seus autores, pelo menos a alguns, citados no texto. Especialmente Brown. É daqueles contos autorreferenciais de que muita gente de género gosta muito mas a que eu tendo a torcer um pouco o nariz porque quanto mais autorreferencial é um género mais críptico tende a tornar-se para quem está de fora, e todos os leitores começam por estar de fora, o que tem consequências que me parecem óbvias e negativas. Mas, se a autorreferencialidade for usada com conta, peso e medida, e se as histórias não dependerem dela para fazer sentido, nada contra.

Não me parece que este seja um conto particularmente bom, mas é um conto interessante. E divertido, que a ironia se sobrepõe de forma clara ao horror.

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