domingo, 6 de junho de 2021

Mia Couto: A Culatra Saiu Pelo Tiro

É outro conto-crónica, este A Culatra Saiu Pelo Tiro. Um conto-crónica com muito de insólito mas também muito de realista, não sobre tiros e culatras, propriamente, mas sim sobre ladrões e assaltos. E um conto-crónica que começa como crónica, metamorfoseia-se depois em conto, só para que o leitor no fim acabe por perceber que nunca deixou de ser crónica. Não propriamente.

Mia Couto começa por divagar. Uma página de crónica pura, perplexa com o estranho fenómeno da multiplicação das armas em Moçambique, o que num texto de três páginas e meia é muito. De seguida passa à história propriamente dita, uma história insólita sobre um roubo.

Ora, este roubo é uma alegoria de expropriação, e é por isso que Couto, ficcionando, nunca chega propriamente a sair da crónica. Um fulano qualquer chega calmamente a casa de um vizinho do narrador e diz-lhe que a casa agora passa a ser sua. Sim, com todo o recheio. Porquê? Porque é a vida. E o conto acaba com o vizinho, agora ex, a roubar ao outro a sua própria televisão. A ironia é clara, a ideia de base também. E o texto está tão bem escrito como é habitual, embora eu tenha algumas dúvidas sobre se me agrada a ideia de começar um texto em crónica para o seguir em conto e no fim nunca chegar a sair de crónica. Fica um bocadinho desengonçado.

Textos anteriores deste livro:

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