A mais famosa das chamadas "leis de Clarke", pepitas de sabedoria formuladas pelo escritor de ficção científica (e criador do conceito de satélite geoestacionário, assim como quem não quer a coisa) Arthur C. Clarke, afirma que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. Este postulado parte da constatação de que as tecnologias de que dispomos hoje seriam certamente encaradas como pura bruxaria pelos nossos antepassados não muito distantes e é daquelas verdades autoevidentes que só o futuro poderá revelar até que ponto serão realmente verdadeiras. Mas entretanto tem sido usada por uma parcela dos escritores de FC para fazerem uma coisa que é frequente não me agradar por aí além: dar roupagens mais ou menos ciencioficcionais a histórias que são na sua essência histórias de fantasia.
Não é coisa estritamente literária, longe disso. Basta olharmos para a saga Star Wars para vermos esse processo em ação, o que mostra bem até que ponto é popular. Mas entre ser popular e ser boa pode haver uma distância considerável.
Vem isto a propósito, obviamente, desta noveleta de Miguel Carqueija. A uma história que é, escarrapachadamente, um enredo de fantasia, Carqueija acrescenta uma levíssima camada de verniz tecnológico para fazer soar algumas campainhas de FC. O resultado é algo bastante mais próximo da fantasia do que até o Star Wars, apesar de haver FC suficiente para o leitor poder supor que está não propriamente num mundo secundário de caráter estritamente mágico mas num planeta distante, algures, no qual os descendentes longínquos de colonos terrestres vivem vidas com odor a Idade Média europeia, salpicadas no entanto com anacrónicos artefactos de uma tecnologia avançada.
É neste contexto que surge A Rainha Secreta do título. Uma jovem líder clandestina, perseguida pelos poderes do seu país, o qual se vem a revelar (aos poucos, ao longo da história, e não na base do infodump, felizmente) uma república ditatorial que procura acabar com os últimos restos do regime monárquico que depôs. E a jovem é, claro, a rainha, que vai liderar uma revolta monárquica com o auxílio de um homem que encontra numa estalagem, o narrador em primeira pessoa da história. Este, como que saído diretamente de um jogo de Dungeons & Dragons, é um paladino que ao juntar-se à insurreição cai em desgraça.
O tom de toda a noveleta é claramente juvenil, mas não se pense que isso implica que haja nela muita ação, ou que leve o leitor a acompanhar os altos e baixos da revolta. Não: o grosso da noveleta debruça-se sobre os dilemas do protagonista, em parte relacionados com essa renúncia às tradições dos paladinos, em parte provocados por um triângulo amoroso platónico que se estabelece de uma forma ridiculamente instantânea entre o protagonista, a rainha secreta e uma jovem que trabalhava na estalagem onde o encontro inicial tem lugar e é encarregada de os acompanhar. Por outras palavras, em vez de termos um enredo de aventura juvenil, o que realmente aqui temos é um enredo juvenil de telenovela.
Ou de telenoveleta, talvez.
A história não está mal escrita, o ritmo até é razoável, a parte da história que não se restringe à relação entre os três até faz algum sentido, mas a profundidade de tudo isto é inexistente. Personagens rasas como cartão e um enredo previsível quase desde o início levam a uma história medíocre, que se deixa ler mas sem grande gosto.
Tudo muito olvidável.
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