Sendo galego, Ângelo Brea escreve em galego, evidentemente, mas escolhe grafar (não sei se habitualmente se o faz só aqui) o seu galego na versão reintegracionista. E aquilo que me salta à vista sempre que leio galego reintegracionista é... que se trata de português.
Com efeito, um leitor português lê este livro como leria uma obra escrita em português do Brasil, encontrando diferenças com a língua tal como a usa, mas reconhecendo-a facilmente como a sua. À parte algumas grafias levemente diferentes, umas quantas palavras diversas e algumas estruturas frásicas que soam a castelhanismos, isto é português normalíssimo. Um livro de FC lusófona.
E o mais engraçado, para mim, é parecer-se tanto com outro livro de FC lusófona que li recentemente: Histórias de Espantar, de António Bettencourt Viana.
Com efeito, o tom é muito semelhante. Há uma óbvia preocupação didática com os conceitos científicos que servem de base às histórias, mesmo que nem sempre inteiramente bem sucedida, há um estilo seco em que predomina a construção do universo ficcional face a todas as outras vertentes da arte narrativa, um pouco à semelhança da forma de escrever de Isaac Asimov e alguns dos outros escritores do tempo dele. Há, em parte em consequência disso, a mesma impressão algo anacrónica deixada pela leitura, como se estivéssemos a ler histórias escritas em meados do século XX, ou no máximo até aos anos 70.
Apesar desse tom algo anacrónico, e de mostrar uma certa tendência para não desenvolver as suas histórias como elas pedem para ser desenvolvidas (vários destes textos pouco passam de cenário, alguns têm uma lógica interna defeituosa, outros funcionariam bastante melhor como inícios de textos mais extensos do que como contos independentes) Brea tem nestas suas Lembranças da Terra algumas boas histórias, histórias que fazem com que a leitura acabe por valer a pena. Contam-se nesse grupo O Bonsai (ou os caracteres hiragana que encontram na lista abaixo), Estação Lunar Alfa ou As Grandes Vantagens da Neolíngua. Talvez não por acaso, estes serão aqueles contos em que, suspeito, o próprio Brea transparece mais.
Como disse, estas histórias por si só fazem com que a leitura valha a pena. Não se trata de um bom livro, mas é um livro com interesse, por causa deles, por vir de onde vem e por estar escrito como está. Poderia ser melhor? Sim, bastante. Mas não é mau.
Eis o que penso sobre cada uma das histórias deste livro:
- Lembranças da Terra
- A Máquina da Entropia Inversa
- As Exploradoras
- As Grandes Vantagens da Neolíngua
- Doze Anos em Titã
- Estação Lunar Alfa
- Nas Montanhas de Magadar
- 盆栽
- O Efeito Smith
- O Sol no Horizonte
- O Varredor
- Perdidos na Lua
- Por Causas Naturais
- Rosas de Admete
- Um Planeta Remoto
- Um Pôr do Sol Vermelho
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