domingo, 26 de junho de 2022

José Pedro Lopes: A Cidade das Luzes

Conto curioso, este. Criando uma estranha mistura de ficção científica e fantasia, à qual poderia ser dado a designação de fantasia científica (num parêntesis, há um detalhe que sempre me incomodou nesta designação: é lata quase ao ponto de não dizer nada sobre a obra que designa... trata-se de uma mistura, OK, mas que mistura?, que características de FC e que traços de fantasia, e de que FC e de que fantasia se está a falar?), José Pedro Lopes acaba por fazer um conto cujo tema básico é a privacidade.

A Cidade das Luzes (bibliografia), como se vem a perceber quase no fim do conto, é Lisboa, ainda que esta parte em concreto pouco sentido faça visto que o fenómeno retratado é global, não específico de Lisboa. Que fenómeno? Bem, na sequência de pesquisas de terapia genética para a cura do daltonismo, precipitadamente transferidas da experimentação em macacos para a aplicação à população humana, descobre-se uma maneira de visualizar as luzes interiores de cada pessoa, cujas cores correspondem ao seu estado emocional. E instala-se a ditadura.

A fantasia vem destas luzes místicas que o autor associa à alma. Já a ficção científica vem de tudo o resto. O conto retrata uma sociedade distópica, que reprime quaisquer emoções negativas tratando quem as tem como perigosos antissociais e potenciais criminosos. Exceto, claro, quem tenha o poder, não só económico mas também, necessário para adquirir uns aparelhos capazes de suprimir a exibição da sua luz, o que é muito útil a todos os sociopatas que buscam o poder. A inferência é clara: a liberdade só é possível se houver privacidade. Quando as luzes tornam esta inalcançável, aquela desaparece.

Não posso dizer que tenha gostado muito da forma como José Pedro Lopes decidiu apresentar essas ideias, visto que o misticismo raramente me agrada, mas as ideias em si mesmas são interessantes e originam um conto com bastante conteúdo. Um bom conto, talvez, apesar de eu não ter gostado muito dele. No mínimo um conto muito razoável.

Contos anteriores desta publicação:

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