sexta-feira, 17 de maio de 2019

Lido: O Cão e o Pardal

É curioso como as histórias tradicionais mais próximas da anedota, com propósitos mais claramente humorísticos, têm quase invariavelmente como protagonistas prodígios de estupidez, pessoas tão extraordinariamente imbecis que quase rebentam com a suspensão da descrença. Encontrei disso nos contos populares do Adolfo Coelho, e encontro também disso aqui nos contos populares alterados pelos Irmãos Grimm.

Neste, por exemplo, ainda que aqui a anedota esteja envolta em humor negro. O Cão e o Pardal conta, com alguns elementos de lengalenga, a história de um cão que trava amizade com um pardal depois de fugir de casa do dono porque este o fazia passar fome. Mas o cão acaba morto por um carroceiro indiferente e muito, muito, muito estúpido, o que faz a história mudar de rumo, passando a ser uma história de vingança, pois o pardal decide vingar a morte do amigo. E vinga. Totalmente. Não por ser particularmente astucioso, mas graças sobretudo à cretinice do homenzinho.

Este é dos tais contos com moral clara (não serás cruel sem necessidade, e se fores pagarás por isso), que no entanto se torna ambígua assim que a análise se aprofunda um bocadinho. Pagaria realmente o homem se não fosse tão estúpido? E se não, o que é que o leva a pagar, a crueldade ou a estupidez? E sendo o pagamento pela crueldade ainda mais crueldade, a história não estará a derrotar a sua própria moral? Isto aumenta o interesse desta fábula, mas não chega para a arrancar à mediania. Não é daqueles contos populares que ficam realmente na memória.

Contos anteriores deste livro:

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