Depois de crónicas mesmo crónicas voltamos aos pequenos contos, ainda que com Mia Couto nunca se consiga ter bem a certeza se as histórias que conta nestes contos/crónicas são ficção pura ou só parcial. O Português, as Raças, os Corvos pode ser fruto integral da imaginação do autor, pode ser apenas ficcionalização de uma vida verdadeira. Mas de qualquer forma é uma reflexão sobre o racismo. Ou melhor, sobre o modo como as acusações de racismo podem ser instrumentalizadas por gente com pouco escrúpulo.
O protagonista é um português, recém-chegado a Moçambique, já depois da independência, com ideias de fazer aí fortuna. Mas é convencido de que, para evitar acusações de racismo e todos os problemas que daí poderão advir, terá de dar boleia a qualquer pessoa que lha peça. A partir daí, a vida do desgraçado passa a ser transportar qualquer um para qualquer lado, em permanente excesso de lotação no veículo, e sem ganhar por isso um metical que seja, o que não o impede de atrair de vez em quando a atenção da polícia.
Não sei, como já ficou implícito acima, o que levou Mia Couto a escrever esta historinha. Mas imagino que ela tenha sido para ele um risco. Couto é moçambicano, mas também é branco, e escrever sobre aproveitamento das acusações de racismo para proveito próprio terá muito provavelmente levado alguns sobrolhos no seu país a franzir-se. Mas a história está tão bem escrita e tão bem concebida como é habitual, o que talvez tenha ajudado a desfranzi-los.
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