segunda-feira, 5 de julho de 2021

Mia Couto: A Morte Nascida do Guardador de Estradas

Depois de gozar com quem o criticava pelas inovações entrocadilhadas que sempre gostou de introduzir na sua língua, Mia Couto resolveu tentar explicar-lhes qualquer coisinha por intermédio da ficção. Depois ou antes, que não sei se os textos deste livro respeitam a cronologia da sua publicação original na imprensa moçambicana. Mas duvido; Couto não é homem dado a grandes rigores desse género. E também duvido de ter conseguido com este conto fazer os seus denegridores compreenderem melhor o seu ponto de vista sobre a língua do que quando foram simplesmente gozados. Especialmente tendo em conta que recorre para isso ao fantástico, e é bem sabido que gente falha de imaginação tanto estranha o fantástico como os significados ocultos nas mutações das palavras.

A Morte Nascida do Guardador de Estradas é, como se torna evidente pelo parágrafo acima e mais ainda pelo subtítulo/dedicatória de Aos Puristas da Língua, um conto de fantástico alegórico. Nele, um homem ordena-se guardião de uma estrada e dos que por ela passam, em especial quando decidem não lhe respeitar o trajeto e os limites e se desencaminham — a seu ver — por caminhos laterais. Termina a história com a própria estrada a levantar voo, farta de se ver tolhida por tão disparatada vigilância. E ele próprio, vendo-se de vida vazia de objetivos, agora que a estrada já lá não está, também se sente muito mais leve. Dir-se-ia que lhe bastaria bater os braços e empassarar-se.

Quem não for irremediavelmente pateta percebe facilmente a alegoria, e quem tiver bom gosto certamente gostará da forma que Mia Couto escolheu para lhe dar corpo. Este é um belo continho, sim senhor.

Textos anteriores deste livro:

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