Uma das coisas mais constantes nestes textos do Mia Couto é a fina ironia que os atravessa e geralmente vem à superfície em pequenas e grandes subtilezas, inclusivamente de linguagem. Nesta Carta Entreaberta do Corrupto Nacional, porém, essa fina ironia desaparece por completo. Aqui, e ironia nada tem de fina: é aberta, descarada, ruidosa, quase transformada em sarcasmo.
Pois a Carta Aberta do Corrupto Nacional é... uma carta aberta. De um anónimo corrupto moçambicano. A queixar-se amargamente da incompetência das autoridades, que não o investigam. É que o homem olha para o estrangeiro e vê o mundo cheio de corruptos célebres porque foram investigados e denunciados, e também quer. Com a mesma filosofia daqueles que dizem que antes ser bêbado famoso do que alcoólico anónimo, acha que antes ser célebre do que ilustre corrupto desconhecido. Os outros, no estrangeiro, vivem a glamorosa vida dos corruptos famosos. Mas ele, nada. Ninguém lhe aponta o dedo, ninguém quer saber das suas manigâncias. É como se não existisse. Já imaginaram a depressão?
Pois Mia Couto imaginou. Claro que o sarcasmo é óbvio e intenso, e contribui para tornar a crónica muito divertida. Aprovado.
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