E eis-nos de volta aos contos que não parecem ter sido grandemente alterados pelos Irmãos Grimm. E também de volta à farsa.
E não é, em si mesma, uma farsa particularmente interessante ou divertida, mas tem bastante interesse sociológico. É que o Doutor Sabe-Tudo não é doutor nenhum, é apenas um camponês que um belo dia, ao ver como os doutores comem bem, se encheu de inveja e resolveu ser também doutor. Como? O doutor explica: basta arranjar um livro com ar sábio, pendurar uma tabuleta a dizer "Doutor Sabe-Tudo" e ficar à espera da clientela. Ou seja: basta ser burlão.
Ou melhor, talvez: basta ser burlão e ter uma sorte desmedida, ainda que a credulidade alheia ajude bastante. É que o novel "doutor" dá repetidas mostras da sua sapiência, resolvendo crimes para cuja resolução se limita a dizer coisas que lhe vêm à cabeça e só a interpretação dos outros permite transformar em verdades. E assim se vai safando.
O interesse sociológico deriva precisamente daí: contos como este mostram que o anti-intelectualismo que põe hoje carradas de gente a recusar vacinas ou a defender que a Terra é plana, entre muitos outros disparates do mesmo calibre, é coisa velha de muitos séculos. Este conto é um sintoma dessa velha doença da humanidade, que não parece haver forma de erradicar, até porque os intelectuais muitas vezes não ajudam, preferindo encerrar-se nas suas torres de marfim a descer à plebe e falar com ela de forma que ela entenda.
Pessimista, eu? Impressão vossa.
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