Há muito de Mário de Sá-Carneiro neste conto de Ricardo Tinoco, ainda que um título como Mais Um Quixote... (bibliografia) não deixe à imaginação a tarefa de descortinar outras influências. Quem tenha lido os contos fantásticos de Sá-Carneiro depressa os reconhece nesta história escrita em jeito de depoimento pelo amigo de um homem que enlouquece e que o cita, um estilo bastante em voga no virar do século XIX para o XX. O pastiche é, julgo, perfeitamente assumido, pois chega ao tema, ao enredo e ao estilo, e é complementado por referências literárias variadas, das quais, curiosamente, Sá-Carneiro está ausente. O que não belisca esta minha interpretação; afinal, Sá-Carneiro não se citaria a si próprio.
O louco sofre de paranoia, pelo menos de acordo com os médicos que acabam por interná-lo. Ele, naturalmente, não concorda. Sabe que está a ser perseguido por uns "eles" que nunca chega a concretizar, até porque não sabe ao certo quem ou o que são, e por isso fecha-se em casa a sete chaves, acompanhado apenas pelos seus fiéis livros. Poderão perguntar: onde está aqui o fantástico? Está na forma como Tinoco deixa no ar a possibilidade de o louco não ser louco, de estar realmente a ser perseguido por uns "eles" quaisquer. É um fantástico à Todorov, baseado na insegurança sobre a natureza (real ou imaginária) daquilo que é narrado.
É um conto bem feito, bem escrito, embora eu tenha de confessar o fraco interesse que me desperta este tipo de pastiche. A pulsão pela citação dos mestres que está na sua génese resulta em obras anacrónicas que tendem a não me interessar muito. No caso deste conto, a avaliação melhora por haver nele um elemento curioso: há, implícito na relação do protagonista com os seus livros, um certo elemento de análise literária, e é interessante utilizar-se a ficção para esse fim. Mas mesmo assim não posso dizer que o conto me tenha agradado muito. São gostos...
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