Senhoras e senhores, convosco Clara de Sousa. Não a da TV, atenção, ainda que eu não possa excluir a possibilidade de haver alguma relação entre as duas algures na cabeça do João Barreiros. A jornalista apareceu nos écrans de forma regular em 1993, e esta Clara de Sousa anda por aí há quase tanto tempo como a jornalista, apesar de ser significativamente mais nova... na verdade, é capaz de ainda nem ter nascido. Ou até pode já andar por aí algures, anónima. Não sei. Certo é que vamos encontrá-la não propriamente Somewhere Under the Rainbow (bibliografia) mas na Lua, algures no futuro, e que ostenta o pomposo título de Agente Criativa para a Sociedade do Anacronismo Literário. Uma espécie sui generis de designer de interiores, chamada à Lua para uma reunião de trabalho. Para grande aborrecimento seu e de João, o furão geneticamente modificado e semi-inteligente que a acompanha fazendo as vezes de assistente pessoal. E ela é especialista em aborrecimentos, ou a sua personalidade não fosse uma arquetípica dondoca de Cascais, cheia de não-me-toques e ai-que-horrores.
É esse o ponto de partida para uma movimentada novela onde se vai juntar um grupo heterogéneo de personagens que partem, não para Oz em busca do Feiticeiro, apesar das óbvias semelhanças com o grupo da Dorothy, mas para uma nave condenada de uma certa espécie caída em desgraça, onde existe um maná de artefactos alienígenas que há quem esteja aflito por recuperar.
Soa familiar, não soa? Pois, são os mesmos da história anterior.
Mas mais uma vez estamos numa história escrita por João Barreiros, portanto já se sabe que tudo corre mal.
Começa por todo o empreendimento ser secreto e ilegal, passa por Clara e o seu furão serem vítimas de um desagradável acidente que os vai contaminar com um fluido dourado muito especial, muito proibido, muito alienígena e muito incontrolável, passa por cada um dos elementos do grupo, quase todos alienígenas, ter os seus próprios interesses e muito pouca amizade ou respeito pelos demais, e acaba no facto de as potestades continuarem a andar por aí, à procura umas das outras e de toda a tecnologia que não deviam ter trazido consigo e muito menos deixar em lugares onde criaturas inferiores conseguissem deitar-lhe a mão.
É, claro está, mais uma história muito boa, que só sofre de dois pecadilhos menores: a dondoquice da Clara que muito rapidamente a torna insuportável e a Triste Judite, uma espécie de versão do Marvin do Douglas Adams, uma bomba humanoide permanentemente deprimida e ansiosa por obter autorização para se explodir, e cuja intervenção na história é demasiado repetitiva durante a maior parte da novela (deixem-me rebentar / não / mas deixem! / já disse que não!). Até acabar por se tornar fulcral, numa explosão que desde o início era evidente que mais tarde ou mais cedo aconteceria.
A novela em si consiste de uma série de episódios em que tudo corre mal ao mesmo tempo que até vai correndo bem, de certa forma, e tem o seu auge numa violenta cena de batalha, numa nave em ruínas que orbita a Terra numa órbita instável e vai lentamente espiralando de encontro ao planeta, entre o grupo, desfeito pela cobiça e pelos interesses antagónicos dos elementos que o compunham, e uma potestade que tenta destruí-lo, ou talvez apenas perceber o que ali se passa, só conseguindo com isso causar danos irreparáveis a si própria... ou pelo menos a um seu avatar. Uma boa cena de batalha como não é comum encontrar na FC portuguesa, onde a pancadaria, muitas vezes, é tratada de uma forma um tanto ou quanto ridícula (o que de resto está longe de ser específico da FC portuguesa).
Já disse que isto é bom? Já? OK, então repito: isto é bom.
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