segunda-feira, 1 de abril de 2019

Lido: As Saudades que Tenho de Inácia

Mais um ebook da coleção de contos portugueses publicados há uns anos pelo DN e pela Ecritório, e mais um livro de um autor que se a memória me não falha nunca tinha lido: Manuel Jorge Marmelo.

E saí da leitura deste As Saudades que Tenho de Inácia com uma opinião pouco sólida e bastante ambivalente. Na verdade, a minha opinião deste texto depende de uma avaliação sobre o que o autor queria alcançar com ele, avaliação essa que é bastante mais instável do que é hábito.

Mas comecemos pelos factos.

O conto é, basicamente, uma ruminação de um homem de meia-idade, por acaso cabo-verdeano mas até podia não o ser, a propósito de Inácia, uma mulher que aparentemente era e sempre tinha sido muito, muito feia e com quem ele tinha tido anos antes alguns encontros sexuais secretos. E tem saudades dela, como o título indica e o texto repete várias vezes.

E pode-se encará-lo de várias formas. Pode-se olhá-lo de forma literal, por exemplo, caso em que se trata de uma história superficial e misógina com muito pouco interesse. Também se pode vê-lo como um estudo de personagem, não a personagem Inácia, mas a personagem do narrador, caso em que julgo ter um âmbito demasiado restrito (o desejo, a saudade e o arrependimento) para ser realmente eficaz, resultando num protagonista algo unidimensional. Por fim, pode-se encará-lo como uma história sobretudo alegórica, sobre a relação que as pessoas já com alguma vida para trás das costas têm com as ideias, opções e embaraços das pessoas que foram em jovens.

Vendo-a sob esta perspetiva, a história até resulta, se não a cem por cento, pelo menos melhor do que olhando-a sob qualquer outro ponto de vista. O protagonista lamenta o jovem que foi, os complexos, o dar mais valor à opinião dos outros do que à sua própria vontade. Que o faça de uma forma tão superficial, através da beleza ou feiura e do bom ou mau desempenho na cama, ajuda a caracterizá-lo e de certa forma a universalizar a ideia; é como quem diz que não, não é preciso ser-se particularmente introspetivo para se sentir arrependimento por certos caminhos que se escolhem na vida. Mas essa universalização pode não ser o que o autor pretende, caso contrário teria provavelmente deixado o cenário vago, sem o localizar tão claramente em Cabo Verde.

É em parte essa a origem da instabilidade na minha avaliação deste texto. Apetece-me encará-lo da forma mais interessante porque é... bem... mais interessante. Mas há alguns detalhes que não se encaixam bem nessa hipótese. Portanto se me perguntarem se gostei deste conto, não vos saberei responder com mais que um talvez.

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