terça-feira, 9 de abril de 2019

Lido: A Novela da Chancela Negra

E à terceira história pouco muda: também esta novela de Arthur Machen é uma releitura, e também ela já tinha sido comentada aqui na Lâmpada, há praticamente dez anos. No entanto, foi-o numa época em que os comentários que eu ia fazendo às minhas leituras eram francamente minimalistas, pelo que tenho mais a dizer sobre ela do que sobre os contos anteriores.

Como digo no post de há dez anos, A Novela da Chancela Negra (bibliografia) é uma história de horror contada por "uma senhora em Leicester Square", como se diz ao abrir, num truque comumente utilizado nas ficções oitocentistas para lhes emprestar verosimilhança. Uma daquelas histórias de ouvir contar, portanto, que de resto tem mais que uma camada de ouvir contar pois parte da história da jovem senhora chega-lhe através de uma carta escrita por outrem.

Pois a "senhora de Leicester Square", extremamente empobrecida, consegue livrar-se da fome empregando-se como secretária de um académico, e o que faz mover a novela é o envolvimento progressivamente maior dessa narradora nas pesquisas do patrão, durante o qual vai fazendo descobertas cada vez mais perturbadoras.

E como o mistério é em boa medida o que mantém esta história de pé, quem tiver horror a spoilers o melhor que faz é parar por aqui.

O enredo, como tantas vezes acontece tanto na fantasia como no horror, ainda que normalmente de forma menos declarada do que aqui, vai beber profusa inspiração ao folclore. O académico dedica-se a estudos de etnologia e uma série de relatos chama-lhe a atenção e leva-o a formular a teoria de que as fadas não são apenas personagens das histórias mas criaturas bem reais. E quando descobre, no interior da Grã-Bretanha, inscrições com os mesmos caracteres de uma chancela em pedra preta que lhe teria sido enviada de escavações arqueológicas na Babilónia, fica praticamente com a certeza de ter razão.

E lança-se à investigação. Perigosa, como se vem a provar, pois acaba por desaparecer após uns quantos episódios misteriosos (e terríficos), deixando apenas uma carta onde se explica. É bastante boa, esta novela, mesmo podendo deixar em alguns leitores a sensação de demasiadas pontas soltas. Mas são pontas que Machen quis deixar soltas; é claramente por opção que o autor não explica todos os mistérios e conserva a aura de inexplicável ao colocar o derradeiro ponto final. Nunca sabemos, por exemplo, o que aconteceu ao académico; ficam apenas as suspeitas, como pelas suspeitas se fica a verdadeira natureza (e até existência) das tais criaturas que ele procurava. Isso pode frustrar alguns leitores mais amigos de ficções bem amarradas; outros provavelmente acharão que uma explicação mais completa só prejudicaria a novela. Pessoalmente, inclino-me mais para esta segunda opinião.

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