Um dos truques recorrentes de Jorge Luís Borges foi utilizar textos pseudofactuais para contar histórias. Biografias falsas, ensaios inventados sobre obras literárias ou autores inexistentes, por aí fora. Adequadamente, Nuno Fonseca usa o mesmo truque para este conto que é, em essência, uma fanfic de Borges.
E assumida, caso contrário não se intitularia Aventura Borgiana, com o subtítulo de Uma Sinopse Avançada (bibliografia). Trata-se de um texto de ficção científica, que transporta o truque pseudofactual de Borges para o futuro e para fora do âmbito do papel, a que Borges sempre se limitou. Aqui estamos em comunidades virtuais, exploradas e imperfeitamente compreendidas por um estudioso de um futuro ainda mais longínquo, e captamos vislumbres irónicos da sociologia dessas comunidades. Tudo sob a forma de uma sinopse (avançada) para um artigo científico.
É um exercício curioso e razoavelmente bem sucedido. Peca sobretudo pelo facto de Fonseca não ser Borges. Não só a qualidade da escrita é significativamente pior que a do grande contista argentino, como faltam a esta ficção alguns níveis de profundidade, que as de Borges têm sempre. Aqui, ficamo-nos pela ironia e pela homenagem, também por um comentário à forma como a nossa hipermodernidade poderá um dia ser apenas arqueologia de outrem, e pouco mais; em Borges vamos quase invariavelmente mais fundo, umas vezes à natureza humana, outras a conceitos matemáticos abstratos e daí à estruturação do próprio universo, etc.
É o grande problema dos pastiches: levam sempre à comparação com o original, e esta só muito raramente lhes é favorável. Mas este conto consegue ser interessante, o que é mais do que se pode dizer de muitos outros.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de abusadores. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.