Não sou economista, mas quanto mais o tempo passa mais me convenço de que percebo melhor como funciona a economia (pelo menos certas partes da economia, que há coisas que continuam a ser para mim puro chinês) do que muita gente que diz que é economista, ou jornalista económico ou por aí fora. Por um motivo simples: consigo compreender as relações de causa e efeito de que a grande máquina económica se compõe e eles, claramente, não.
Ou isso ou são uns grandes aldrabões. É a outra possibilidade.
A última dessa gente é a "enorme" carga fiscal que, dizem, está em cima dos portugueses.
Numa coisa têm razão: poderíamos não pagar demasiados impostos se realmente víssemos o dinheiro daqueles que pagamos a ser-nos útil em investimentos dos sistemas públicos que nos melhoram e facilitam a vida, em vez de só o vermos a ser entregue a bancos e a parcerias público-privadas perfeitamente ruinosas. Sim, exagero, mas é para vincar um ponto: é absolutamente vital que a população realmente veja o dinheiro dos impostos a servir para coisas úteis; quando isso não acontece, abre-se a porta à conversa de qualquer aldrabão de feira que se saia com meia dúzia de patacoadas vagamente verosímeis.
Mas a verdade é que este governo baixou globalmente as taxas dos impostos. Desapareceram as milhentas sobretaxas que foram impostas pelo governo do Passos, para começar, desceram alguns IVAs e a reestruturação dos escalões do IRS levou a que a esmagadora maioria das pessoas passasse a pagar menos IRS, embora também tenha havido alguns movimentos em sentido contrário. Houve dois ou três impostos que surgiram (o chamado "imposto Mortágua", por exemplo), invariavelmente a apanhar universos muito restritos, ora de gente particularmente endinheirada, ora de atividades económicas que tinham até aqui uma capacidade de fuga ao fisco bem superior à do comum dos mortais. Também diminuíram as contribuições de muita gente para a Segurança Social o que, não sendo propriamente imposto, também pesa na carteira (agora menos) e serve para financiar o Estado.
Ao mesmo tempo que esta diminuição acontecia, aumentou o total de receita arrecadada pelo Estado por via dos impostos. E quem não percebe patavina de economia não consegue perceber como é que isto é possível, o que é muitíssimo útil aos charlatães de feira. Menos taxa de imposto e mais receita?! Como?!
Simples. Através da melhoria da economia.
E por três vias.
1- Subida nos rendimentos;
2- Aumento na atividade económica;
3- Redução do desemprego e aumento do emprego
A subida nos rendimentos pode levar a um aumento de receitas mesmo com uma redução nas taxas. Se alguém tem 1000 euros de rendimento bruto e paga 20% de IRS sobre esse rendimento, paga 200 euros ao Estado. Se esse alguém tem o rendimento aumentado para 2000 euros e a taxa de IRS se reduz para 15%, passa a pagar 300 euros ao Estado. Menos taxa de IRS, mais dinheiro que entra nos cofres do Estado. E, claro, muito mais dinheiro que fica no bolso do cidadão (de 800 passa a 1700).
A subida nos rendimentos também pode levar a um aumento de receitas quando pessoas que não ganhavam o suficiente para pagarem IRS, ficando abaixo do mínimo, passam a ganhar mais que esse mínimo e portanto entram no sistema. Idem para os profissionais liberais que pagam IVA; quando os seus rendimentos não chegam a um mínimo anual estão isentos de IVA; quando o ultrapassam passam a pagar. Não vamos mais longe: aconteceu isso comigo. Em dois dos anos do Passos estive isento de IVA porque não tive trabalho suficiente para atingir o mínimo. Desde a Geringonça que o ultrapasso todos os anos.
E o IVA leva-nos ao aumento da atividade económica. A taxa pode baixar, mas se a economia crescer, se houver mais empresas, mais gente e entidades a fazer compras e compras de maior montante, a receita aumenta. A subida dos rendimentos tem aqui um impacto evidente e a diminuição nos descontos para a segurança social também: é mais dinheiro que fica disponível para transações, e portanto para fazer crescer o bolo do IVA. E fazer-se subir mais os rendimentos de quem menos tem do que os de quem tem mais também ajuda, porque quanto maiores as dificuldades por que as pessoas passam mais provável é que gastem esse dinheiro extra no que lhes faz falta em vez de o enterrarem no banco (ou em paraísos fiscais). E quem diz IVA diz outros impostos sobre o consumo como o que incide sobre os combustíveis. O mecanismo é igual. E há ainda os lucros das empresas que quando crescem aumentam o bolo do IRC, e por aí fora.
É também esse basicamente o efeito da redução do desemprego, e mais ainda o do aumento do emprego (não é bem a mesma coisa; há gente que não está a trabalhar e não conta como desempregado, mas passa a contar como empregado quando... bem, quando se emprega). Quem não está no mercado de trabalho não paga impostos (geralmente; há situações em que paga, mas são pontuais); se entra passa a pagá-los, o que aumenta as receitas do Estado, além de ter normalmente mais dinheiro no bolso para gastar e ir fazer crescer o bolo do IVA e quejandos.
Ou seja: com mais gente a trabalhar, com mais rendimento disponível, com mais transações económicas, com mais empresas a pagar IRC, a quantidade de dinheiro arrecadada pelo Estado sobe mesmo que as taxas de impostos desçam.
A direita não percebe isto. Daí a parvoíce das contas de merceeiro para "explicar" política económica, como se o traseiro tivesse alguma coisa a ver com as calças. Daí a política cretina do Passos Coelho y sus muchachos e os orçamentos nunca baterem certo, nem com o Vítor Gaspar, nem com a Maria Luís Albuquerque, essas máquinas de orçamentos retificativos. Em contraste, a Geringonça vai chegar ao fim sem um único retificativo, mesmo com todo o dinheiro enterrado (ainda) nos bancos e as outras insuficiências. Pudera: todo o projeto económico daquelas nulidades era destruir a economia, causar desemprego, comprimir os rendimentos, levar empresas à falência, e etc. Depois faziam enormes aumentos de impostos que não geravam o dinheiro que esperavam gerar, porque pura e simplesmente não compreendiam, e continuam sem compreender, que por mais que espremam laranjas secas elas não vão dar sumo.
Pode-se acusar o governo do Costa de muitas coisas, do investimento muitíssimo insuficiente para reparar o estrago feito nos anos anteriores, de casmurrice quase indecente em questões como a do tempo de serviço dos professores, de continuar a alimentar os tubarões da banca com dinheiro que devia ser investido no país, de achar mais importante que o Centeno faça brilharetes com o défice em Bruxelas do que arranjar médico de família para todas as famílias portuguesas (de novo não vamos mais longe: eu, que sempre tive médico de família, deixei de ter há quase um ano) ou resolver os milhentos outros problemas que este país continua a ter. Pode-se achar que teria sido melhor se os impostos tivessem descido mais do que desceram, mesmo que isso fizesse o défice descer mais devagar. Mas não se pode acusá-lo de ser o oceano de ignorância económica que a direita deu mostras de ser ao longo de quatro anos e continua ainda hoje a dar mostras de ser.
E por que raio escrevi eu isto?
Porque estou farto de tanta treta. A partir de agora, posso mandar para aqui sempre que me vierem com certas conversas. E sim, há aqui imprecisões e explicações incompletas, e sim, ficou nesta explicação muita coisa pela rama, e sim, preocupei-me mais em explicar em linhas gerais o funcionamento das coisas do que ir buscar dados sólidos, e não, isto não é um post técnico, com toda a precisão técnica e patati, e patata. Querem disso, vão procurar a outro sítio, a algum lugar com gente mais preparada do que eu. Vão ao Ladrões de Bicicletas, por exemplo, ou ao Vento Sueste.
Escusam é de ir ler os direitolos, incluindo os que escrevem nos jornais, que aí não se aprende nada que preste.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de abusadores. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.