quarta-feira, 15 de julho de 2020
Porque é que eu faço isto?
O fim do Ficção Científica Literária, devido aos motivos que a ele levaram, levou-me a colocar muito seriamente a hipótese de este blogue a que no já longínquo ano de 2003 decidi dar o nome de A Lâmpada Mágica chegar também ao fim. E isso levou-me a analisar os motivos por que faço isto. Por que motivo o mantive durante todos estes anos, porque é ele como é e se se perderia alguma coisa se ele desaparecesse.
A Lâmpada nunca foi um blogue literário em sentido estrito, pois sempre cá fui publicando outras coisas que não têm diretamente a ver com a literatura. A última foi uma denúncia do comportamento do Facebook, por exemplo. Mas é sobretudo um blogue literário, e é-o praticamente desde o início, em boa medida porque a minha vida gira em torno da literatura. A leitura sempre fez parte importante dos meus tempos livres, escrevo desde a adolescência, ainda que com uns hiatos pelo meio, e poucos anos depois de começar a escrever aqui encetei uma carreira de tradutor que dura até hoje e durará muitos mais anos, se covid quiser.
Também nunca foi propriamente um blogue popular, apesar de o número de visualizações ter vindo sempre a crescer ao longo dos anos. E também é natural: as minhas preferências literárias, e por conseguinte as minhas leituras, são em boa parte de nicho, e há muita gente que prefere não ler opiniões sobre histórias que pode vir ainda a ler um dia, ou que não tem, pura e simplesmente, interesse em ler opiniões, quer haja a possibilidade de vir a ler as histórias, quer não haja. Ou seja: a Lâmpada tem o seu público, que talvez lhe sentisse a falta se desaparecesse, mas esse público é tão pequeno que no grande esquema das coisas o blogue estar cá ou não estar pouco importa.
Ou seja: para o mundo exterior, a existência da Lâmpada pouco importa. Podia desaparecer sem deixar rasto e nada realmente mudaria. E para mim?
Ao longo dos anos escrevi na Lâmpada por motivos variados. A princípio foi para ver o que raio era isso dos blogues de que toda a gente falava, mas depressa encontrei aqui um veículo para dar vazão a alguma criatividade. Mais tarde, as motivações mudaram e o conteúdo também, e ao longo dos últimos anos este blogue tem-me servido sobretudo como registo de leituras. E disso sim, se acabasse eu sentiria a falta. Porque fui descobrindo à medida que escrevia sobre o que lia que escrever uma opinião, mesmo que sumária, me obriga a pensar mais sobre o que vai sendo lido, o que enriquece a experiência. Acontece com alguma frequência eu só decidir mesmo o que penso sobre este texto ou aquele quando estou a escrever a opinião sobre ele, e por vezes há detalhes que me incomodam, que me desagradam ou de que gosto, que logo após a leitura ficam como meras sensações difusas e só se concretizam quando me sento aqui a escrever. Também é por isso que as opiniões que aqui deixo não são propriamente as coisas mais estruturadas que poderão ler sobre as obras que leio: quem aqui vem ler estes textos vem ver-me pensar. É isso o que aqui faço: pensar um pouco em forma escrita.
(Isto, já agora, e diga-se em jeito de parêntesis, torna muito estranho para mim que este blogue seja usado como fonte primária para trabalhos académicos, como já aconteceu umas quantas vezes. Isto não é crítica propriamente dita, ainda que eu perceba que a fronteira seja difícil de traçar.)
Também há nisto um certo grau de ativismo, baseado na ideia de que informar o mundo do que obtemos das leituras, tanto das que nos agradam mais como daquelas que nos são mais indiferentes, partilhar a paixão mesmo quando esta é pouco correspondida, pode ser uma forma de despertar interesse em outros, ou pelo menos de afastar neles ideias simplistas e às vezes simplórias sobre os motivos porque gostamos do que gostamos ou não gostamos do que não gostamos. Mesmo quando o mundo em geral se está nas tintas, e está, há sempre a esperança de que uma pequeníssima parte dele não esteja e acabe por compreender. E reparem que neste parágrafo usei quase sempre o plural: é que esta parte da questão é coletiva, pois nenhum de nós, os que lemos e comentamos o que lemos, é dono da verdade, seremos no máximo apenas donos da nossa verdade, e a verdade completa só se obtém quando somos muitos a exprimir a porção dela que nos cabe. Que sejamos tão poucos a fazê-lo é um problema, e o mais importante motivo externo para eu continuar a fazer isto é precisamente contribuir para não passarem a ser ainda menos.
Durante uns anos, e não foram tão poucos como isso, manter o blogue também me permitiu escrever material original, mesmo sendo este quase sempre outras coisas que não a ficção, o que me foi muito útil para desenjoar das traduções com que ganho a vida. Sim, ambas as coisas consistem em trabalhar o texto e a língua, mas a tradução e a produção de material novo correspondem a estados mentais muito diferentes. Traduzir é uma busca constante pela melhor forma de exprimir ideias alheias na minha língua; há aí criatividade mas é uma criatividade fundamentalmente diferente de produzir material original, seja ele qual for, que é um ato de criação absoluta, não só linguística mas também conceptual. E durante vários anos os meus únicos atos deste tipo de criação aconteceram aqui na Lâmpada. Ou quase os únicos.
Ora, se é verdade que de há coisa de ano e meio a esta parte tenho escrito bastante ficção, o que faz com que a criação que faço no blogue perca importância, nada garante que ele não venha um dia a ser necessário para retomar essa função. A vida dá muitas voltas, como é sabido e a pandemia se encarregou de relembrar.
O que de tudo isto se pode retirar é que a Lâmpada é fundamentalmente diferente de outros blogues que eu tenho tido, e até de outros projetos fora da blogosfera. Embora seja algo aberto ao exterior, não é algo que eu faça primordialmente para fora. É algo que faço principalmente para mim, porque me é útil a mim. Ter ou não público pouca diferença faz, o que me torna imune àquela desmotivação típica do blogger que vê a quantidade de visitas a baixar ou a não subir tanto quanto gostaria, e explica em grande medida a longevidade deste espaço, com hiatos e tudo. E também torna a Lâmpada imune a sabotagens por parte dos génios que acham boa ideia "modernizar" o Blogger tornando-o mais difícil e demorado de utilizar.
Portanto sim, a Lâmpada há de acabar um dia, porque quem a faz não é eterno, mas para já não vai a lado nenhum. Ou talvez feche aqui e reabra noutro lado qualquer, se o Blogger me moer mesmo muito o juízo. Mas vai andar por aí. É-me demasiado útil para acabar com ela.
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Ainda bem que "não vai a lado nenhum"! Ir ler qualquer coisa à Lâmpada já é um hábito e sempre o fiz com gosto. Se terminasse, eu perderia alguma coisa.
ResponderEliminarNão sei porque raios o comentário ficou como "Unknown".
EliminarRoberto
O perfil está como não disponível, i.e., privado. Talvez seja por isso.
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