sexta-feira, 17 de julho de 2020

António Bettencourt Viana: A Independência da Lua

Há muita gente que defende a opinião de que o início é fundamental para uma obra literária. Há até quem se apresse a abandonar a leitura quando o início não agrada por inteiro. Eu discordo vivamente. Para mim, o início tem importância, sim, mas tanta quanto qualquer outra parte da narrativa, à exceção de uma: a conclusão. Para mim é a conclusão a parte mais importante de uma obra de ficção, pois só no fim toda a história e todo o seu significado ficam claros. Ou não. E já tenho no currículo várias leituras cujo início achei mau ou aborrecido e de que acabei por gostar, por vezes bastante. A mais afamada dessas leituras é o Memorial do Convento, do Saramago, um livro que adoro mas cujas primeiras 100 páginas, mais coisa menos coisa, me custaram bastante a ler. Foi só aí que a leitura realmente engrenou em puro deleite até ao fim.

Pois bem: foi por ser esta a minha atitude perante maus começos que passei das primeiras páginas deste A Independência da Lua (bibliografia). É que o início desta noveleta de FC dura de António Bettencourt Viana é francamente mau.

O principal problema é o intenso "como-sabes-zé" com que Viana decide abrir a história. É das formas mais toscas que existem (e demasiado usada na FC clássica, infelizmente) de transmitir ao leitor informação que lhe permita situar-se no onde e quando da narrativa. Quando os autores põem as suas personagens a explicar detalhadamente umas às outras coisas que todas estão fartas de saber, só porque o leitor não sabe, só me apetece revirar os olhos e deitar o livro pela janela. O que às vezes se justificaria em pleno, porque as histórias acabam por ser quase todas assim. Mas de outras vezes seria pena.

Neste caso seria pena. Porque, apesar de algumas ingenuidades, o resto da história até tem interesse. O título revela não só o tema, mas até o desfecho. Com efeito, a noveleta conta a história de como um governo mundial totalitário na Terra leva a Lua à revolta, devido a exigências de tributação que as colónias lunares não estão em condições de satisfazer. No fundo, uma situação semelhante à que levou à independência dos Estados Unidos e, como aconteceu com esta, também aqui à revolta segue-se uma guerra, com os terrestres a procurarem impor pela força a sua vontade e os lunares a defender-se como podem. À superioridade terrestre em força e material, contrapõem os da Lua um superior conhecimento do terreno e do ambiente, e claro que, sendo Viana quem é, estes conhecimentos selenitas são aproveitados para os transmitir aos leitores.

Aquele início desastrado impede esta história de ser realmente boa. Mas o resto é suficiente para a transformar numa história interessante de FC hard, um subgénero tão pouco cultivado entre nós que esta história até é capaz de merecer um certo destaque se algum dia alguém se dedicar a tentar descobrir e classificar a produção nacional nele enquadrável.

Contos anteriores deste livro:

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