Charles Nodier parece ter sido um homem preocupado com as injustiças do seu tempo, especialmente com aquelas cometidas pelas instituições que deviam pugnar pela justiça. Digo isto porque o que encontramos nesta História de Helena Gillet (bibliografia), um conto com elementos fantásticos relativamente escassos, embora suficientes para merecer a designação de "conto fantástico", é basicamente uma denúncia das injustiças da Justiça e daqueles que a exercem.
É, tal como o título indica, a história de uma tal Helena Gillet, que é vítima de um caso escabroso. Boa rapariga, atrai as atenções de um canalha que, com o auxílio de uma cúmplice, a droga e viola. E, pior, a engravida. Ora, uma gravidez fora do casamento em época de todos os puritanismos é motivo mais que suficiente para destruir a vida de qualquer mulher, mas no caso de Helena o caso é mais grave porque ela se vê acusada do crime de conduta imoral e condenada. E os juízes, guardiães da moral e dos bons costumes, não se ficam por menos: condenam-na à morte.
E, depois da inutilidade dos apelos, lá vai ela rumo ao cadafalso, deixando toda a gente que a sabe inocente em paroxismos de aflição. Toda a gente menos uma velha freira, que diz a todos para não se preocuparem porque Helena não será morta. É aqui que o conto se torna fantástico, uma vez que a premonição da freira se concretiza e algo — a justiça divina, provavelmente — salva a inocente da justiça humana. E para o caso da moral da história não ficar assim inteiramente clara, Nodier encerra-a com página e meia de violento ataque contra a pena de morte e aqueles que a defendem.
Bastante bem escrito e muito bem estruturado, este conto, sendo fantástico, é também político por inteiro (não seria descabido até chamar-lhe um "conto de intervenção"), demonstrando mais uma vez, como se ainda fosse preciso, que literatura fantástica e política sempre andaram de mãos dadas, quer de forma bem explícita, como aqui, quer de maneiras mais subtis. Beatices à parte (que não deixam de ser naturais), gostei bastante.
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