sexta-feira, 3 de julho de 2020

Mia Couto: Lixo, Lixado

Mais um conto com guerra civil ao fundo. Parece ser uma constante, ou quase, nestas pequenas ficções a que Mia Couto chamou crónicas (eu sei, não é só ele, apesar de eu sempre ter achado algo estranho o uso da palavra para designar textos claramente ficcionais... exceto quando estes são de cariz histórico ou pseudo-histórico e ela aparece como truque para lhes conferir verosimilhança). Mas desta feita não existe nela nada de fantástico. Lixo, Lixado é um conto realista.

Um conto realista sobre um catador de lixo que encara a lixeira como porto seguro e território. Não só cata o lixo, como vive na lixeira, ouvindo por vezes os tiroteios da guerra que se vai desenrolando lá fora. Solitário, mas que lhe importa sê-lo, se está alimentado e seguro? Até ao dia em que ganha companhia: um porco.

As ficções de Mia Couto são sempre ambíguas, mas esta é-o mais que a maioria. Se por um lado parece dizer-nos que até viver no meio do lixo pode ser preferível aos horrores da guerra, por outro diz-nos que o homem quando perde a dignidade pouco mais é que um animal. Mas haverá alguma dignidade na guerra? Mia Couto não fala disso. Diz-nos que na lixeira não há, mas omite a da guerra.

Se gostei do conto? Gostei. Mas como tendo a preferir quando ele desfralda as velas da imaginação e se deixa ir fantasia fora, tendo gostado desta história, gostei mais de outras.

Contos anteriores deste livro:

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