quarta-feira, 14 de abril de 2021

Mário-Henrique Leiria: Casos de Direito Galático e Outros Textos Esquecidos (#leiturtugas)

No mundo lá fora, nomeadamente no anglófono, é comum fazer-se edições destas, embora geralmente a quantidade de páginas com que os volumes acabam seja substancialmente superior a estas meras 218. Chama-se-lhes "omnibus", e consistem da junção de vários livros independentes do autor Xis num único volume. Por cá são raras, embora não desconhecidas. E aqui reúnem-se quatro livros que Mário-Henrique Leiria publicou entre 1974 e 1979, e pelo total de páginas (que ainda abrem espaço a uma nota dos editores) que eles somam depressa se vê quão breves quase todos são. Leiria nunca foi propriamente prolífico ou palavroso; era daqueles escritores para os quais a concisão da palavra é um valor em si mesma. E além disso escreveu bastante poesia, género que tem uma longa história de livros fininhos e cadernos de duas ou três dúzias de páginas, ou até menos.

O título, Casos de Direito Galático e Outros Textos Esquecidos (bibliografia), pode levar a pensar que o texto principal é precisamente o dos Casos de Direito Galático. É verdade e não é. Em extensão, ou melhor, em número de páginas, o maior dos quatro livros é o último, Lisboa ao Voo do Pássaro. Mas sim, os Casos de Direito Galático, com o seu companheiro de sempre, os fragmentos d'O Mundo Inquietante de Josela, são de facto os textos mais extensos que aqui se encontram, até porque os restantes são todos poesia.

E para mim são também, e de longe, os mais interessantes. É que os Casos de Direito Galático são um muito sui generis exemplar de ficção científica portuguesa, escritos e publicados numa época em que praticamente se desconhecia a existência de tal coisa. E os fragmentos de Josela também, embora bastante menos.

Mais: são um exemplar de boa FC portuguesa, o que não deverá surpreender ninguém que conheça pelo menos o livro mais conhecido do autor, os Contos do Gin-Tonic, pois também aí a FC aparece. Mário-Henrique Leiria conhecia obviamente o género, tendo pelo menos feito algumas traduções de livros da Argonauta, ainda que eu não saiba se seria leitor habitual. Parece-me provável, pois não é sem leituras que se atinge a sofisticação que alguns dos casos de direito galático mostram, mas não é algo que eu possa afirmar com qualquer grau de certeza. É uma pena que tenha produzido tão pouco no género (e fora dele também, na verdade); de outro modo podíamos ter pelo menos um autor a fazer consistentemente boa FC já na década de 70, e quem sabe se não se formaria alguma espécie de movimento em volta dele. Mas não; isso é história alternativa. No mundo real tivemos um autor a fazer boa FC na década de 70 mas só de uma forma esporádica.

Claro que é uma FC "impura", tingida de outras coisas. Felizmente, diga-se. De surrealismo, para começar. De humor, muito, e de política, também bastante, ou talvez seja melhor falar em crítica social. De novo, nada que deva surpreender quem saiba quem foi o autor, pois tudo o que ele escreveu tinha esses ingredientes. E é em boa parte isso o que o torna relevante.

São também esses os ingredientes que para mim tornam interessantes as outras coisas que arredondam as contas deste livro, pois não só prefiro a prosa à poesia, em geral, e não só sou apreciador de FC, como tenho a opinião de que Leiria era muito melhor prosador que poeta. Já o disse quando falei dos Contos do Gin-Tonic (ou talvez tenha sido dos Novos Contos do Gin) e repito-o aqui. Por isso não creio que os outros três livros sejam tão bons como os Casos. Mas não deixam de ser interessantes o suficiente para fazer com que este livro de livros seja em geral uma boa leitura. Talvez menos relevante hoje do que na época em que os livros foram publicados, pois é essa a velha pecha da arte de intervenção social direta — tende a perder acutilância quando as circunstâncias mudam —, mas boa.

Eis o que achei sobre os vários textos de que o livro se compõe: Este livro foi comprado.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de idiotas. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.