quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Mário-Henrique Leiria: A Vacina

Quando foram publicados originalmente, os Casos de Direito Galáctico vieram acompanhados por uma segunda série de textos chamada O Mundo Inquietante de Josela (fragmentos). Aqueles são ficção científica com muito de surrealismo à mistura; estes são surrealismo com alguma ficção científica misturada no caldeirão. E A Vacina (bibliografia) é o primeiro desses "fragmentos".

Mário-Henrique Leiria chama-lhes fragmentos mas são praticamente contos. E este é um conto divertido sobre as peripécias que acontecem a Josela e à família de Josela quando decidem levar os seus mamutes de estimação ao veterinário para levarem vacinas. É que os bichos fogem, e segue-se uma série divertida e muito, muito irónica, variante ácida, de aventuras e de estragos e de telefonemas a autoridades amigas, essa forma branda de corrupção tão omnipresente no Portugal salazarista (e que perdurou até aos dias de hoje, embora atenuada pela visibilidade que a liberdade lhe trouxe) para que o caso não tivesse mais consequências.

E no fim, tudo é em vão, que quem iria vacinar os bichos não se encontra no consultório. Quem não tem esta experiência de dar com o nariz numa porta que tinha de estar aberta? Todos temos, certamente. É que Leiria escreve sobre o seu quotidiano através dos mamutes de Josela, sem tentar a psicanálise barata do "caráter português" (seja isso o que for), mas retratando as irritações, os incómodos e os pontos de vista de um português a viver na sociedade portuguesa do seu tempo.

Também é por isso que é tão bom.

Textos anteriores deste livro:

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