É estranho, este conto do brasileiro Bernardo Carvalho. A começar pelo título, Os Liquidâmbares, pois embora seja coisa do mundo real, o nome de uma árvore nativa das Américas do Norte e Central que tem visto algum uso como árvore ornamental em certas cidades, parece coisa inventada. É um termo que eu nunca tinha encontrado na vida, pelo menos, e desconheço se existe algum liquidâmbar em Portugal, embora Carvalho nos diga que sim.
Mas a história dele não é de todo sobre isso, o que torna o uso da árvore no título um tanto ou quanto enigmático. A explicação que eu arranjei é a árvore servir como analogia. Tratando-se de algo transplantado de um continente para outro, e sendo a história sobre um homem que cresce no Brasil e descobre que é filho de uma portuguesa — portuense, mais propriamente — que foi abandoná-lo lá, encarar o título como analogia faz algum sentido. Parece-me.
De resto, a história também pode ser vista como analogia mais ampla para a própria natureza de uma parte importante do povo brasileiro, descendentes de portugueses que teriam sido de uma forma ou de outra "abandonados" noutro continente, ainda que essa interpretação possa ser um tanto ou quanto exagerada.
Seja como for, o conto está dividido em três capítulos, cada um contado sob um ponto de vista diferente, e escrito por forma a refletir estilisticamente o ponto de vista: o jovem, que ao saber da sua história decide vir a Portugal para tentar encontrar a mãe e perguntar-lhe porque o abandonou, uma louca, que ele confunde com a mãe, e a mãe verdadeira, que a tudo assiste sem nada dizer. Esta estrutura, e sobretudo a forma que Carvalho encontrou para refletir a personalidade das suas personagens na forma de escrever, é aquilo que mais me agradou no conto. Está muito bem feito; até o facto de ser algo penoso ler o capítulo da louca, feito de frases sincopadas, todas igualmente curtas, contribui para se perceber quem ela é.
A história em si, pelo contrário, não me disse muito, portanto este é mais um daqueles casos em que um texto me parece francamente bom mas esteve algo longe de me agradar realmente. Foi uma leitura mais incómoda do que prazerosa, e suspeito que era precisamente esse o objetivo. Se era, foi plenamente cumprido.
Conto anterior deste livro:
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