Um dos aspetos daninhos mais duradouros dos contos de fadas é a tendência que tantos deles mostram para apresentarem o amor como um arrebatamento instantâneo gerado pela mera beleza, quase sempre das donzelas, muitas vezes também dos donzéis. À conta disso, não só gerações de coraçõezinhos românticos se gastaram na espera por um príncipe ou princesa encantada capaz de os levar a tal arrebatamento, como a ideia transbordou dos contos de fadas, infetando muitos outros géneros narrativos com amores instantâneos. E nem é preciso juntar água.
Pelo introito acima já se percebe que este Comera um Bocadinho se Tivera Limão..., conto recolhido por Adolfo Coelho em Lisboa e significativamente mais elaborado do que é frequente encontrar-se neste livro, é um conto de amor instantâneo à Cinderela.
E claro que tem de haver dificuldades. A donzela tem de ultrapassar a oposição do pai conde, que a pretende guardar para si, e o donzel príncipe só consegue encontrar a sua amada graças aos bons ofícios (bons, mas bem pagos) de uma fada. Não há aqui sapatinhos de cristal nem coches de abóbora, mas há um discretíssimo transporte da rapariga até junto do príncipe e depois um jogo de sedução feito de rimas, o qual acaba com um beija-mão coletivo, durante o qual o príncipe reencontra a sua amada. É uma história diferente, portanto, embora os pontos de contacto sejam numerosos e evidentes. E é boa: soa a história completa, o que neste livro nem sempre acontece, e está bem amarrada, narrativamente falando. Interessante.
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