Aproveitando o facto de precisar de comprar mais um dicionário, desta vez um dicionário de calão e/ou gírias do submundo (já precisei várias vezes de algo assim para as minhas traduções, e vou voltar a precisar muito em breve; aceitam-se e agradecem-se sugestões de boas alternativas ao único que encontrei — e encomendei — o Dicionário de Calão do Eduardo Nobre), resolvi premiar-me por ter ultrapassado um período complicado comprando uns livros. Por isso, dei um salto à secção de ficção científica na Wook.
E vim de lá desapontado convosco.
É que há alguns anos que apanho tudo o que vai sendo divulgado por aí no que toca às edições de ficção científica em português, via Ficção Científica Literária (em versão blogue e na anterior, no scoopit), e mesmo assim há uma série de edições de que não me lembro de ter ouvido falar.
Vocês andam-me a falhar.
Encontrei por lá um tal Livro Mistério 2, sem autor identificado, aparentemente publicado em 2016 por "Diversos", 416 páginas e cuja sinopse é:
Ficção científica
Realidade virtual
Cultura pop dos anos 80
Caça ao tesouro
E se o mundo for apenas um videojogo?
E vocês nem me falaram disto nem me explicaram o que raio vem a ser isto.
Mas há pior, muito pior!
Também encontrei por lá um tal Holocausto Lunar, de Sofia Guilherme Lobo, aparentemente um romance curto de 158 páginas publicado em 2017, sim, este ano, pelas Edições Vieira da Silva, e que tem como sinopse o seguinte:
Serina é uma menina da Lua, filha de um herói de uma revolução socialista e irmã de um soldado do Exército Vermelho. É uma menina protegida pelo sistema mas à sua volta outras crianças não o são, pois são vítimas de perseguição religiosa e de recrutamento forçado… Luanda, uma menina de 8 anos, a quem Serina chama de irmã, é recrutada à força como criança-soldado; sem conseguir ficar indiferente a esta injustiça, Serina acompanha-a voluntariamente na convicção que a consegue a salvar. Mas mais vidas estão em jogo…
E vocês? Nada.
Mais: encontrei A Visão do Inferno de Diogo Figueira, publicado em 2015 pela Esfera do Caos, um romance volumoso com 388 páginas e uma sinopse apetitosa:
Nas profundezas da Via Láctea, dois grupos rivais de máquinas inteligentes governam uma parte da galáxia. A Terra é o principal alvo. Quem vencerá esta batalha cósmica? Difícil de classificar, talvez por estar no cruzamento da literatura fantástica com a ficção científica, esta obra intensa e vibrante faz pensar, porque nos confronta com dilemas e opções que mergulham no âmago dos nossos maiores desafios existenciais.
Felizmente, este livro tem na wook um extrato disponível para ser folheado; o texto é beato e com uma qualidade literária bastante baixa. Mas mesmo assim, vocês falharam-me: deviam ter-me falado do lançamento.
Tal como me deviam ter falado de O Oásis, de Pedro Águas, um livro de contos publicado em 2011 pela Lugar da Palavra, editora que não parece ter achado necessário informar quantas páginas tem o livro, mas pelo menos divulgou uma sinopse:
Deixe-se levar para um mundo novo, absolutamente fantástico e surpreendente, e mergulhe, hoje, no abismo do futuro, pela mão de Pedro Águas, um dos poucos autores a escrever (bem) ficção científica.
E também não deviam ter omitido os livrinhos da Áurea Justo, apesar de tudo. Anéis de Fogo é outra edição da Lugar da Palavra, e também de 2011, uma novela com 92 páginas e uma sinopse que o faz antever pavoroso:
O passado e o futuro andam de mãos dadas nesta saga de ficção científica em que as personagens principais, terrenas e saturnianas, se envolvem numa arrebatadora história de amor interplanetário. O destino de Saturno (e também da Terra) está ameaçado. E a única solução parece ser um objeto sagrado legado pela civilização Maia, a Mãja… que Ângela tem em seu poder, mas não sabe como usar. Mas os perigos são muitos e poderosos… Depois de Anéis de Saturno, Anéis de Fogo é o segundo livro desta trilogia de ficção científica apaixonante.
E não só o faz antever pavoroso como indica a existência de um livro anterior, embora quem procure por "anéis de saturno" fique de mãos a abanar. É que, com a típica eficiência de certas editoras, a sinopse está errada e o livrito chama-se...
As Estrelas de Saturno, um título que apesar de ser levemente disparatado foi publicado em 2010 pela Cidade Berço (e com toda a certeza integralmente pago pela Áurea Justo), mais uma editora que não parece achar necessário fornecer um mínimo de informação ao putativo comprador, visto que nem informa do número de páginas (mas eu fui ao site da BN e sei: são 127) nem sequer fornece aquela coisinha básica de qualquer edição: uma sinopse.
Tampouco me disseram nada sobre Os Impossíveis Possíveis, livro de Vasco Farinha editado em 2012 pela Ecopy e que, para coletânea de contos, até é volumoso com as suas 320 páginas. A sinopse diz que:
«Os impossíveis possíveis» é uma colectânea de contos de ficção científica que combina com mestria o relato dos factos mais banais do quotidiano com uma surpreendente descrição dos mais fantasiosos princípios científicos, criando enredos intrigantes e arrebatadores. Capaz de esbater completamente a ténue linha que separa o passado, o presente e o futuro, este livro desafia-nos a reflectir sobre as questões mais relevantes da humanidade.
E o trecho que está disponível para folhear até mostra uma prosa agradável, o que não querendo dizer que os contos sejam bons dá pelo menos indicação de que podem sê-lo.
E depois, claro, há as edições da Chiado. Mas essas são demasiadas para incluir aqui: dariam para um post inteiro do tamanho deste.
Portanto sim, estou desapontado convosco. Deviam informar-me destas coisas. Oh, eu sei que vocês, as pessoas individuais que estão a ler isto e até têm os seus blogues e sites onde divulgam por carolice aquilo que vos vai chegando ao conhecimento pouca ou nenhuma responsabilidade têm: quase todos estes livros são publicados por editoras-parasita, que se aproveitam da ingenuidade dos autores, fazem-nos pagar bom dinheiro para terem o seu livrinho cá fora sob o argumento inteiramente falso de que "todas funcionam assim" e depois não cumprem com um mínimo de promoção e quase também não cumprem com um mínimo de distribuição, deixando os livros ao deus-dará e aos autores todo o gasto da divulgação das suas obras, uma vez que já têm a edição paga à partida e não precisam de mexer uma palha para terem lucros. O meu "vocês" foi deixado vago precisamente por isso, porque a responsabilidade para este desconhecimento não é, na esmagadora maioria dos casos, da malta da FC. É das "editoras", com abundância de aspas, que não fazem chegar os livros ao conhecimento de quem poderia querer lê-los, o que é um requisito básico para que uma empresa possa arrogar-se ao nome de editora.
Iniciativas amadoras ou semiamadoras como a Imaginauta ou a Divergência fazem um trabalho incomparavelmente melhor para os respetivos autores do que estas coisas.
Mas este post também aparece por outro motivo: diz-se com demasiada frequência que não há nada na ficção científica portuguesa, que não se publica nada, que estamos no deserto. Não é verdade. Podemos queixar-nos da qualidade do que é escrito (se bem que para isso convém ler o que é escrito, e aqui temos um problema) e da qualidade de edição do que vai sendo editado (para isto, felizmente, não é indispensável ler nada; basta assinalar comportamentos). Mas não podemos dizer que não há nada. Porque há. Precisávamos era de quem se dedicasse a encontrar estas coisas e a separar o presumivelmente pouco trigo do certamente muito joio que vai aparecendo por aí. Isso é que parecemos não ter mesmo.
Tive uma revelação. O "Livro Mistério 1" é o "Ready Player One", do Ernest Cline. Só pode.
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