As fronteiras da ficção científica são fluidas e porosas, como bem sabemos todos. Variam consoante o fim a que se destina a classificação e o ponto de vista de quem a faz. As que eu próprio utilizo são variáveis, sendo muito mais apertadas quando penso no que leio do que quando escolho o que incluir ou deixar de fora do Ficção Científica Literária. Por exemplo.
E é isso o que explica a inclusão deste conto de Lygia Fagundes Telles nesta antologia, que se afirma "de ciencificção". Isso e o renome da autora, imagino. Porque este A Caçada (bibliografia) não me parece ter rigorosamente nada a ver com ficção científica.
É uma história sobre alguém que, ao passar pela montra de um antiquário, fica transfixado por uma velha tapeçaria que mostra uma cena de caça. Transfixado ao ponto de mal conseguir arrancar-se à sua contemplação, ao ponto de regressar repetidamente para voltar a observá-la. E ao ponto de, por fim, mergulhar nela.
E isto sem qualquer elemento tecnológico à mistura que pudesse eventualmente servir de maquilhagem tecnofantástica capaz de justificar o ródulo de FC. Estamos perante simples magia, fantasia, numa abordagem muito semelhante à que mais tarde veio a receber o nome de realismo mágico. O conto é bom, no sentido de mostrar uma língua bem trabalhada e uma segurança total na condução da narrativa, mas tem um problema de contexto (algo não-FC numa publicação que se reivindica de FC) e peca um pouco na originalidade, pois contos destes, em que pessoas são absorvidas por cenas de vários tipos, desde tapeçarias, como aqui, a quadros, passando por espelhos ou fotografias, são razoavelmente comuns na literatura fantástica. O leitor com alguma experiência não demora a ser assaltado pela suspeita sobre onde a autora quer levar a sua história, e depressa essa suspeita se vê confirmada (até porque o conto é curto).
Mas o conto é bom. Não só pelo que ficou dito acima, mas também, ou talvez sobretudo, por uma subtil reviravolta final que faz com que o remate da história não seja bem aquele que se esperaria. A leitura acaba com um "Ah! Boa!", e isso é sempre muitíssimo satisfatório.
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