Há histórias de uma qualidade superlativa e por isso inesquecíveis. Mas também há histórias que se tornam igualmente inesquecíveis mesmo sem terem a qualidade das primeiras. Algumas são muito boas, mas nem isso é necessário (na verdade podem ser até muito más). Algumas estão quase a atingir o grau superlativo mas falta-lhes qualquer coisa. Este A Longa Chuva (bibliografia) é, para mim, uma destas últimas. Ambientada em Vénus, não o verdadeiro, infernal e seco, mas aquele que a ficção científica imaginava antes de a ciência desvendar a sua verdadeira natureza, quando apenas se conhecia a camada contínua de nuvens que o cobre — interminavelmente húmido, em permanente dilúvio — é uma história que mistura a ficção científica e o horror de uma forma que está a um passo de ser genial.
Ray Bradbury apresenta-nos uma equipagem de astronautas náufragos num Vénus luxuriante e pleno de uma vida agressivamente vivaz. Qualquer coisa aconteceu que os deixou apeados, a caminhar pela selva húmida em busca do refúgio que bases instaladas nos confins da selva poderão fornecer, sob bátegas contínuas de uma chuva de enlouquecer. O perigo é real. Não só a chuva cria condições para o crescimento explosivo de fungos parasíticos, como vem por vezes acompanhada por intensíssimas trovoadas, capazes de deixar de pantanas os equipamentos elétricos (e não só) mais bem protegidos.
O resultado é uma história de FC pesada, sufocante, em que o enredo vai avançando de desastre em desastre até ao desastre final... ou talvez não, num clima de incerteza que só contribui para a impressão geral que o conto causa. Li este conto na adolescência e nunca o esqueci; agora, relê-lo foi como reencontrar um velho amigo perdido durante décadas mas ainda velho amigo, embora me tenha ocorrido algo que não ocorreu na altura: o contraste e complementaridade, provavelmente propositados, entre esta história e as (mais bem conhecidas) histórias de Bradbury passadas na sua versão de Marte, seco, desértico, e habitado por uma civilização para a qual cada gota de água é preciosa. Mas suave e civilizado, ao contrário de um Vénus que o autor retrata como impiedosamente selvagem. Este é um grande conto. Não se contará entre os melhores de Bradbury, mas não anda longe.
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