sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Lido: Linguagem Óptica

"Imagine o senhor uma terra de côncavo e convexo alternados". Assim começa mais um conto de Alexandra Pereira (e sem dedicatória! Fartou-se?) e basta esse começo para se lançar forte a suspeita: será fantástico?

É.

Linguagem Óptica é um conto inspirado pelas histórias populares, recolhendo delas alguns truques típicos, como o situar a ação num reino distante e perdido no tempo, usado como caso exemplar para a moral da história. Mas é apenas inspirado por elas, não pretende emulá-las. É bastante mais desenvolvido do que o que é comum encontrar-se nessas histórias, escrito numa linguagem significativamente mais rebuscada, e a moral, embora presente, não é nem tão vincada nem tão despida de ambiguidades. Fala de um reino com os seus problemas, boa parte dos quais causados por intolerâncias de vária índole: xenofobias, racismos, machismos/feminismos (que a autora põe em plano idêntico), por aí fora. O rei decide resolver esses problemas decretando a obrigatoriedade de todos os intolerantes usarem lentes corretivas mágicas, capazes de conformar as pessoas odiadas pelos súbditos aos parâmetros definidos pelos seus preconceitos: pretos tornados brancos (e brancos pretos), mulheres masculinizadas (e homens feminizados), etc., etc.

E depois as coisas correm mal.

É mais um conto bem escrito e razoavelmente bem concebido, muito embora me pareça que a primeira parte, o que decorre até o rei ter a sua ideia, é demasiado extensa para o desenvolvimento da segunda, que é o fulcro da história. Esse é um fator de desagrado, mas há outro mais importante para o leitor que eu sou: Alexandra Pereira trata todos os "preconceitos" como se fossem equivalentes, quando na realidade não são. Machismo não é equivalente a feminismo; racismo de brancos contra negros não equivale a racismo de pretos contra brancos. Isto fez-me torcer o nariz a esta história. Não se trata de um mau conto; na verdade, para o género, até o acho bom pois faz bem o que pretende fazer e é, sem dúvida, interessante. Mas...

Contos anteriores deste livro:

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