sábado, 13 de junho de 2020

António Bettencourt Viana: O Incesto Original

Eça de Queirós parece ter tido uma grande influência sobre António Bettencourt Viana. Não que o estilo literário se lhe assemelhe ou os temas sejam de uma forma geral particularmente afins, mas a publicação de O Defunto nesta antologia, imediatamente seguida por este O Incesto Original (bibliografia) dão fortes indicações de que Viana é um grande fã do escritor oitocentista.

Infelizmente, a condição de fã nem sempre é boa conselheira.

E isso é exemplarmente revelado com este conto, que Viana assume ser uma espécie de atualização do conto bíblico de Eça Adão e Eva no Paraíso. O problema é que Viana não tenta ser profundo como Eça é, limitando-se a contar uma história de génese da humanidade sem tocar em quase nada que vá um pouco além da evolução propriamente dita. Onde Eça discute a condição humana no mundo civilizado, Viana limita-se a divagar um pouco sobre a condição de pária que tende a cair sobre aqueles que são diferentes da norma. Não se trata propriamente de um vazio de conteúdo, mas é um conteúdo significativamente menos interessante e relevante.

Mas o pior nem é isso. Eça não tenta apoiar-se na ciência, contando uma história de fundo bíblico com muito poucas alterações à lenda que ultrapassem questões de interpretação. Viana, pelo contrário, tenta apoiar-se na ciência, enchendo o seu conto de pormenores relacionados com o ADN australopiteco e humano. O problema é que a ciência que usa é muito, muito má, reduzindo toda a enorme variedade da árvore genealógica humana a uma dualidade australopiteco-homem que já está desacreditada há longas décadas, entre vários outros disparates. E isso, que podia não ser particularmente grave num autor que não tivesse a ambição de usar pedagogicamente as suas ficções (e desde que o resto compensasse), num autor como Viana, que a tem, é suficiente para aconselhar-se a esquecer que este conto existe.

Mesmo que o resto compensasse. Mesmo que o enredo e a escrita fossem realmente bons. E não compensa. A história é aborrecida e tornada desconexa pelas longas tentativas mais ou menos atabalhoadas de fornecer explicações científicas que não fazem grande sentido, e o português é correto mas daí não passa, o que de resto é imagem de marca do estilo "asimoviano" de fazer FC, corrente em que Viana claramente se insere.

Este é o pior conto da coletânea até agora. De longe.

Contos anteriores deste livro:

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