terça-feira, 1 de setembro de 2020

Honoré de Balzac: O Elixir da Longa Vida

Hoje em dia grita-se "plágio" até por semelhanças superficiais em personagens ou enredos, mas tempos houve em que os escritores (e não só) reutilizavam alegremente as personagens uns dos outros, chegando por vezes a criar à volta delas autênticas mitologias coletivas. Não que hoje isso não continue a existir; está é remetido quase por inteiro para essa literatura marginal que responde pelo nome de fanfic, praticada por uma miríade de autores entre os quais muito poucos serão os que algum dia chegarão a criar alguma coisa de relevante. Pelo contrário, na fanfic de antigamente participavam com regularidade grandes autores, entre os quais sem dúvida se inclui Honoré de Balzac, e este conto que aqui temos é disso um bom exemplo.

Na verdade, Balzac pega não em uma ideia alheia, mas em duas. O Elixir da Longa Vida (bibliografia), ou elixir da imortalidade, é, em si mesmo, um dos memes literários mais antigos que existem, pois já nas velhas mitologias de várias culturas há histórias sobre poções ou elixires que conferem a quem as bebe uma vida prolongada ou de extensão indeterminada. Balzac junta a esse mito o de Don Juan, o eterno sedutor libertino que pode ou não ter sido criado no século XVII por Tirso de Molina (a peça de Molina é o mais antigo texto a contar a história da personagem, mas esta pode ter origem anterior). E com isso cria um conto bastante original.

O Dom Juan desta história é o típico sedutor dissoluto de todas as outras, mas é o pai, já bastante idoso, quem tem o elixir. O conto vai encontrar o pai muito doente e o filho a divertir-se numa festa, onde um criado o vai chamar porque o pai parece estar prestes a morrer. E está mesmo, mas antes de morrer o velho faz o filho prometer que logo depois do último suspiro lhe esfrega um certo líquido no corpo, dizendo-lhe que assim voltará a viver. O jovem não acredita mas, por descargo de consciência experimenta deixar cair uma gota num olho. O olho ganha vida. Espantado, D. Juan renuncia à promessa e esmaga o olho, acabando de matar o pai. E ficando com o elixir para si.

Depois vive uma vida típica de D. Juan, ainda que acabe também ele por ter um filho. E por repetir com este a cena que vivera com o seu pai, ainda que com uma diferença de peso: não informa o filho do que o elixir é capaz de fazer, julgando assim evitar que a ambição da vida eterna leve o filho a fazer o mesmo que ele fizera. Não corre nada bem.

Esta é uma história que comprova que não é preciso ser inteiramente original para ser interessante. Balzac pensa sobre a ambição de prolongar a vida, de uma forma previsivelmente cautelar, como quem diz "não queiras o que não podes ter, porque aqueles que tentam alcançá-lo saem-se mal", e também das consequências da má índole, para o próprio e para os que o rodeiam. Fá-lo de uma forma moralista mas irónica, e com uma construção narrativa de muito boa qualidade. Que importa que tenha ido buscar boa parte do que está na base desta sua história a outras histórias?

Textos anteriores deste livro:

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