quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Ângelo Brea: Perdidos na Lua

Uma das armadilhas da ficção científica que pretende ser dura, no sentido de respeitar com maior rigor os conhecimentos científicos contemporâneos em especial no que toca às ciências do mundo físico, é ser muito pouco (ou nada) indulgente com coisas que violam esses conhecimentos, em especial quando a violação é flagrante e/ou quando é fulcral para toda a estruturação da história. E neste Perdidos na Lua, Ângelo Brea caiu nessa armadilha.

A ideia é simples. Estamos num futuro em que já existe uma base lunar em funcionamento, estruturada mais ou menos nos moldes das bases antárticas que salpicam o continente. Um duo, o narrador e outro astronauta, recebem a missão de irem ver o que se passa com uns espelhos instalados do lado oculto da Lua que são usados para orientar um telescópio orbital e parecem não estar a funcionar. E, por uma série de azares, o veículo em que seguem deixa de funcionar no caminho de regresso.

Se Brea tivesse limitado a tensão em que os seus astronautas se encontram à falta de oxigénio, arranjando um problema qualquer com os sistemas de recuperação ou com os filtros de absorção de CO2, ou qualquer coisa do género, poderia ter escrito um conto interessante, ainda que não propriamente original. Mas não. Resolveu arranjar um perigo adicional, postulando que astronauta que esteja sob a radiação solar direta é astronauta que tem morte assegurada por esturricamento em pouco tempo. Pois.

Infelizmente, para ele e para a experiência de leitura, os astronautas e cosmonautas executam longas atividades extraveiculares em órbita terrestre (onde a radiação solar direta é na prática idêntica à que a Lua recebe) sem qualquer problema. Nunca nenhum saiu de lá esturricado, pelo que o "perigo" que Brea inventa não é perigo nenhum. E como consequência, a suspensão de descrença vai por água abaixo e ao terminar a leitura fica a impressão de que ela foi má. Numa FC que não tentasse ser dura isto talvez passasse, desde que o resto fosse interessante. Mas a de Brea tenta. Até demasiado, pois é frequente ele cair em excesso de explicações. E isso tem consequências.

Contos anteriores deste livro:

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