sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Mia Couto: Cronicando

Sempre tive uma enorme relutância em chamar crónica a textos que são claramente pequenos contos, ficção em estado mais ou menos puro, objetos literários desprovidos da componente de opinião e/ou de narrativa factual que associo à palavra. Mas sei que nisso pertenço a uma pequena minoria, talvez uma minoria de um. Fora dessa minoria, ninguém estranha que num livro intitulado Cronicando, em cuja capa, debaixo do título, se entrevislumbre a palavra "crónicas", haja sobretudo textos de ficção, acompanhados por alguns exercícios de estilo literário e umas quantas crónicas naquilo que eu considero a plena aceção da palavra.

Mas também sei por que motivo isto acontece, e não é nada que se resuma a Mia Couto. Estes textos, tal como os textos de outros livros como este, têm aqui a sua segunda vida, sendo a primeira a publicação em espaços fixos em jornais e revistas. Espaços fixos a que se dá o nome de espaços de crónica. Que autores como Mia Couto decidam publicar neles ficção não lhes altera a designação. Daí chamar-se crónica a tudo o que assim é produzido. Eu é que não sou obrigado a seguir essa prática, pelo que chamo conto ao que me parece ser conto, deixando a designação de crónica para o resto.

Aqui temos ambas as coisas: crónicas propriamente ditas e contos breves, vinhetas, muitas das quais de caráter fantástico. Em todos os textos está bem patente o estilo característico de Mia Couto, cheio de uma poesia muito sua, repleta de neologismos tantas vezes irónicos mas só muito raramente gratuitos. Nos contos, esse estilo vem mais à supefície que nas crónicas, o que não deixa de ser natural, e é nos fantásticos onde se cumpre por inteiro. Parece-me. Disse várias vezes ao longo das opiniões que aqui fui deixando sobre cada um dos textos que na minha opinião é quando escreve fantástico que Mia Couto se sai melhor. Não que todos os contos fantásticos sejam melhores que os outros, não que não haja entre os outros as suas pérolas, mas creio que em média sim, é isso o que acontece.

No todo, no entanto, esse caráter dicotómico entre ficção e não ficção (e também alguns textos em que é praticamente impossível perceber onde termina a crónica e começa a ficção), e talvez alguns detalhes de organização, faz com que o livro não surja como particularmente equilibrado. Há partes, em especial o início, em que é a ficção que predomina, noutras é na crónica que encontramos a maioria dos textos. E eu, que de um modo geral prefiro a ficção à crónica, dei por mim nestas últimas partes com uma certa saudade dos contos. Julgo haver nestas páginas algumas obras-primas, mas o livro como um todo não o é.

Mas é bom; isso nada lhe tira.

Eis o que achei dos textos deste livro:
Este livro veio da biblioteca dos meus pais.

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