Mas também sei por que motivo isto acontece, e não é nada que se resuma a Mia Couto. Estes textos, tal como os textos de outros livros como este, têm aqui a sua segunda vida, sendo a primeira a publicação em espaços fixos em jornais e revistas. Espaços fixos a que se dá o nome de espaços de crónica. Que autores como Mia Couto decidam publicar neles ficção não lhes altera a designação. Daí chamar-se crónica a tudo o que assim é produzido. Eu é que não sou obrigado a seguir essa prática, pelo que chamo conto ao que me parece ser conto, deixando a designação de crónica para o resto.
Aqui temos ambas as coisas: crónicas propriamente ditas e contos breves, vinhetas, muitas das quais de caráter fantástico. Em todos os textos está bem patente o estilo característico de Mia Couto, cheio de uma poesia muito sua, repleta de neologismos tantas vezes irónicos mas só muito raramente gratuitos. Nos contos, esse estilo vem mais à supefície que nas crónicas, o que não deixa de ser natural, e é nos fantásticos onde se cumpre por inteiro. Parece-me. Disse várias vezes ao longo das opiniões que aqui fui deixando sobre cada um dos textos que na minha opinião é quando escreve fantástico que Mia Couto se sai melhor. Não que todos os contos fantásticos sejam melhores que os outros, não que não haja entre os outros as suas pérolas, mas creio que em média sim, é isso o que acontece.
No todo, no entanto, esse caráter dicotómico entre ficção e não ficção (e também alguns textos em que é praticamente impossível perceber onde termina a crónica e começa a ficção), e talvez alguns detalhes de organização, faz com que o livro não surja como particularmente equilibrado. Há partes, em especial o início, em que é a ficção que predomina, noutras é na crónica que encontramos a maioria dos textos. E eu, que de um modo geral prefiro a ficção à crónica, dei por mim nestas últimas partes com uma certa saudade dos contos. Julgo haver nestas páginas algumas obras-primas, mas o livro como um todo não o é.
Mas é bom; isso nada lhe tira.
Eis o que achei dos textos deste livro:
- A Carta
- A Sombra Sentada
- Lénine na Cabeceira
- O Viajante Clandestino
- Sangue da Avó, Manchando a Alcatifa
- A Ascensão de João Bate-Certo
- A Velha e a Aranha
- Lixo, Lixado
- O Gato Nacional
- O Dia em que Fuzilaram o Guarda-Redes da Minha Equipa
- O Januário, ou Melhor: o Januário
- O Jardim Marinho
- Lágrimas Novas Para as Velhas Damas
- A Rua de Pernas Para o Ar
- O Filho da Morte
- A Lição do Aprendiz
- Mulher Roxa em Vestido Laranja
- Natural da Água
- Balões dos Meninos Velhos
- Pingo e Vírgula
- Pela Gravata Morre o Tímido
- A Prenda do Viajante
- As Medalhas Trocadas
- Mezungos
- A Mancha
- O Rio que Bebeu o Homem
- Um Pilão no Nono Andar
- Entre a Missa e as Misses
- O Homem com um Planeta Dentro
- Sangue da Actriz no Cinema da Vida
- No Zoo-Ilógico
- O Monstro Infantil
- O Secreto Namoro de Deolinda
- Ossos do Ofício
- O Retro-Camarada
- O Cabrito que Venceu o Boeing
- A Culatra Saiu Pelo Tiro
- Os Anjos Embriagados
- A Derradeira Morte da Estátua de Mouzinho
- Sonhar de Bicho
- Escrevências Desinventosas
- A Morte Nascida do Guardador de Estradas
- África com Kapa?
- Carta Entreaberta do Corrupto Nacional
- O Português, as Raças, os Corvos
- Amar à Mão Armada ou Armar a Mão Amada?
- Pescador na Ida, Herói na Chegada
- O Gentipó, Suas Gentis Poeiras
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