domingo, 8 de setembro de 2019

António Manuel Venda: Os Romanos

Um escritor, chamado António Manuel Venda, vai a Vila Real de Santo António para uma daquelas sessões literárias de que é feita parte da vida de tantos escritores, e antes da hora marcada para o encontro resolve dar um salto à marginal para ver o Guadiana e recordar velhas passagens para o lado de lá quando era miúdo. Mas às tantas o que vê espanta-o: um barco romano, provavelmente uma galé, sobe o rio vindo do mar. O escritor não sabe bem o que se passa, se será alguma espécie de animação turística — afinal, é verão e Vila Real fica no Algarve — ou outra coisa qualquer. Até que lhe aparecem uns barrigudos da GNR a mandar sair rapidamente dali e a zona se enche de aparato bélico e basbaques.

É que quem aí vem são mesmo Os Romanos (bibliografia). Uma tripulação de romanos genuínos, guerreiros e imperialistas, vindos dos confins do tempo para invadir a Península, Guadiana adentro. Fica implícito um portal qualquer, uma descontinuidade no espaçotempo que tivesse arrancado aquele barco e aqueles homens da época que lhes é própria, trazendo-os para a nossa. Uma ideia muito de ficção científica, apesar de o tom da história ser mais mágico-realista.

E o autor-protagonista, dividido entre a curiosidade, as ordens dos GNR, o medo e o compromisso literário que o trouxera a Vila Real, vai-se embora, voltando costas à insólita cena. É uma escolha de enredo que talvez desagrade a alguns leitores (e a tendência do autor para a divagação sinuosa é outro motivo potencial de desagrado), mas a mim parece que faz pleno sentido; afinal, há uma coisa a retê-lo ali e três a afastá-lo. Sim, o protagonista volta costas ao motor da história, mas essa atitude é coerente com quem o protagonista é e reforça a solidez da personagem. E de resto, o afastamento não é definitivo.

Sim, porque quando termina a apresentação do livro o protagonista volta à marginal, curioso para saber o que acabou por acontecer com os romanos. E ainda vai a tempo de assistir ao desfecho de toda a história. Este é um bom conto, daquela espécie de realismo mágico que roça na ficção científica, e muito em particular na FC conforme era praticada entre finais dos anos 60 e os anos 70. Há neste conto de Venda qualquer coisa de ballardiano e, entre os escritores portugueses, aquele que Venda mais faz lembrar será provavelmente João Botelho da Silva. Nem todos gostam; eu gostei.

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