Uma das consequências mais daninhas de se chamar à ficção científica "literatura das ideias" é transmitir a alguns autores a noção falsa de que as ideias bastam, quando na realidade o segredo está nas técnicas usadas para se transformar essas ideias em obra literária. Se é verdade que existe uma combinação virtuosa de boas ideias com boas técnicas, não é menos verdade que, por melhores que sejam as ideias, se a técnica falha o resultado é deficiente, podendo mesmo chegar, em casos extremos, a ser desastroso.
Miguel Garcia, de que não tenho notícia de ter escrito mais alguma coisa desde que publicou este Subpólis (bibliografia) — no que posso enganar-me, evidentemente — parece sofrer do problema descrito acima. De facto, o seu Subpólis é um conto cheio de ideias, algumas delas bastante boas, sobre uma Lisboa subterrânea onde os poucos sobreviventes de um cataclismo não explicado vão sobrevivendo num ambiente ciberpunk, mas quando chegamos à concretização dessas ideias em obra deparamos com dificuldades.
Porque Subpólis é um conto desconexo, com um enredo cheio de buracos e uma escrita a precisar de trabalho. Há demasiadas personagens para uma história tão curta, o que leva a uma caracterização praticamente inexistente em quase todas (e cheia de chavões nas poucas que têm alguma caracterização) e a uma floresta de nomes difícil de desbastar. O enredo segue também um caminho bastante cliché, com os sempiternos hackers a tentar introduzir-se em sistemas informáticos. O que o conto tem de melhor é a ambientação, que apesar de não estar também isenta de chavões é complexa o suficiente para inspirar interesse e abrir um potencial para exploração que, infelizmente, está muito longe de ser concretizado por esta história. Seria interessante desenvolver este cenário em histórias mais extensas e mais bem amarradas. Quanto a esta...
Quanto a esta, é bastante fraca. Mais uma.
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