E dos infodumps, mais ou menos desagradáveis de ler e mais ou menos desastrados, saltamos para doses maciças de outro velho defeito estilístico de demasiadas histórias de FC (e não só). Conhecido nos meios críticos anglófonos como "as you know, Bob", este é mais fácil de aportuguesar do que a purple prose, e eu proponho usar-se "como sabes, Zé". Mas o que vem a ser o "como sabes, Zé"?, perguntam vocês.
É uma forma de transmitir informação necessária ao leitor, não como um despejo de informação a seco, o indofump, mas através de uma ou várias conversas. Mas não quaisquer conversas; há conversas, nas quais uma das partes ignora a informação transmitida pela outra, que fazem pleno sentido e são uma boa forma de a entregar ao leitor. O "como sabes, Zé" refere-se especificamente àquelas conversas em que ambos os intervenientes têm obrigação de conhecer a informação. "Como sabes, Zé", diz um deles, "foi o António Fernandes quem primeiro pôs os pés no asteroide Apófis". "Sim," responde o outro, "e como sabes o segundo foi o Fernando Antunes". Coisas destas. Que até podem existir, em pequena quantidade, mas em demasiados contos tendem a estender-se por longas páginas. O que por vezes é mau. Por vezes é péssimo.
E é o que acontece neste A Conjura (bibliografia) de António de Macedo. Porque o conto é mais curto do que teria de ser para que a informação necessária fosse transmitida aos leitores sem recorrer a este tipo de truque. E é pena: a ideia do conto é ao mesmo tempo boa e engraçada, brincando, em ambiente de ficção científica, com a história alternativa, com universos paralelos (de certa forma), com os ambientes limitados e com a ideia das vidas observadas na ignorância dos observadores, que em parte remete às velhas instituições de saúde mental, e em parte a coisas do género de Truman Show. A conjura é sobretudo uma conversa entre dois homens que têm o objetivo de derrubar a monarquia num mundo em que esta não acabou em 1910 e no meio de todo o "como sabes, Zé" ainda conseguem discutir algumas opções de ação política, mas no fim do conto, que é de muito longe a melhor parte do texto, esta conjura é contextualizada em camadas cada vez mais surpreendentes.
O resultado é um conto muitíssimo desequilibrado que tinha potencial para ser bastante bom mas, por cair em armadilhas que um escritor tão experiente como Macedo teria a obrigação de ter evitado, não consegue sê-lo. Aquele final consegue levá-lo a ser razoável, mas o início impede-o de ser realmente bom.
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