sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Robert P. Kirshner: O Universo Extravagante

Às vezes compro livros porque me interessam as premissas ou os temas, mas depois dou por mim a adiar a leitura e a voltar a adiá-la, seja porque outros livros adquiridos mais tarde me despertam mais o interesse, seja porque vão parar ao fundo de alguma das várias pilhas de livros por ler que tenho cá em casa e se torna demasiado incómodo estar a desenterrá-los. O Universo Extravagante foi um desses livros, embora no caso dele também tenha contribuído o facto de a editora ter achado boa ideia usar letras tão pequenas que praticamente exigem que o pobre leitor se arme com uma lupa antes de se lançar à leitura.

Escrito por Robert P. Kirshner, um astrónomo especializado no estudo de supernovas, este livro narra a evolução das ideias cosmológicas sobretudo ao longo das últimas décadas e o lento surgimento do panorama comummente aceite atualmente. Da descoberta dos vários tipos de supernovas e das suas propriedades o como e porquê os cosmólogos foram aceitando (muito a contragosto, diga-se) a ideia de que o nosso universo é mais bizarro, ou extravagante, do que alguém se teria atrevido a supor algumas décadas antes. Daí o título de O Universo Extravagante.

Um livro como este, de divulgação científica sobre um campo do conhecimento que está em evolução rápida, tende a ficar datado muito depressa. Ou seja, seria desaconselhável fazer o que fiz: comprá-lo e depois deixar que ele se enterrasse sob camadas geológicas de outros livros comprados mais tarde. Mas, embora seja verdade que entre 2002, data da publicação original deste livro (a edição portuguesa é de 2005, já agora), e hoje já tenha sido acumulada bastante informação que à época era desconhecida, também é verdade que isso não tem tanto impacto como poderia ter. Porque o que este livro tem de mais relevante e interessante não é a informação em si; é o processo.

Porque é isso o que Kirshner nos conta: o longo e sinuoso processo da descoberta de que o Universo em que vivemos é mais bizarro do que aparece nos mais descabelados sonhos dos autores de ficção científica, cheio de coisas esquisitas que ninguém entende, nem mesmo os próprios astrónomos, e a que por isso dá nomes que nada dizem como "matéria negra" ou "energia negra". E de passagem, dá uma autêntica lição sobre o método científico. Nos dias de hoje, convenhamos, essa lição é muitíssimo necessária. Temos senso comum arrogante a mais e respeito a menos por quem realmente estuda e compreende os fenómenos. Ou às vezes estuda e ainda não compreende os fenómenos.

E também o facto de ser muito eficaz a transmitir a ideia de que tudo neste vastíssimo Universo em que vivemos está profundamente interligado. A ideia de que a informação que deu origem à moderna noção de um Universo não só em expansão mas em aceleração foi obtida através do estudo detalhado das supernovas descobertas não só aqui relativamente perto de nós mas também em regiões do espaçotempo muito, muito distantes, que se mostram idênticas o suficiente para ser possível medir a taxa de expansão do Universo, o que mostra que as mesmas leis da física agem aqui e lá, o que por sua vez implica que são as mesmas partículas e os mesmos tipos de desestabilização nuclear que causam, aqui e lá, as gigantescas explosões de estrelas a que chamamos supernovas.

E repararam? Nesta única frase liguei o infinitamente grande do Universo inteiro e a da sua evolução desde as origens do Todo ao seu provável fim ao infinitamente pequeno das partículas subatómicas. Sim, a frase é razoavelmente longa, mas essa interligação é precisamente o que o livro mais traz.

E trá-lo sem esquecer os comos e os porquês, mostrando que a evolução das ideias cosmológicas vem a reboque da evolução das técnicas instrumentais, que permitem medições cada vez mais precisas do que realmente existe e das suas características, sem se esquecer de mostrar também as múltiplas formas como a falibilidade e a criatividade humanas podem interagir com esse ciclo virtuoso de observação e interpretação. Uma lição sobre o método científico, como dizia ali em cima.

É, portanto, um livro francamente bom. E pode ser lido por pessoas sem grandes conhecimentos no campo da física e da astronomia, ainda que, para ser plenamente apreciado, convenha que a ignorância não seja total; a linguagem é, de uma forma geral, acessível. Pena é a opção editorial da Europa-América, que resolveu poupar papel atafulhando o máximo possível de texto em cada página. Como? Publicando o livro com um tamanho de letra simplesmente minúsculo. Deve ter conseguido poupar assim umas 50 páginas (o livro tem 246; a edição americana que encontrei à venda na Amazon tem 304), mas à custa de leitores vesgos e cheios de dor de cabeça. Obrigadinho, sim?

Este livro foi comprado.

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