quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Horacio Quiroga: A Insolação

E depois há contos brilhantes.

Às vezes é só questão de mudar o ponto de vista, embora este "só" seja tudo menos questão de somenos. Mudando o ponto de vista, daqueles comezinhos para algum que seja invulgar ou inesperado, pode dar-se nova vida a velhas histórias e elevar aquilo que poderia correr o risco de ser banal ao brilhantismo. Se o autor o souber fazer bem.

Horacio Quiroga soube. Pelo menos neste A Insolação (bibliografia). Pegou numa história que podia ser comezinha, já escrita milhentas vezes, a história de um velho agricultor que tem por destino próximo o derradeiro encontro com a Morte antropomorfizada, e deu-lhe a volta, centrando-a no ponto de vista não do agricultor nem de nenhum membro da família, nem sequer da Morte que o vem buscar, mas dos seus cães. Cães esses que veem a Morte a aproximar-se, como uma aparição fantasmagórica com o aspeto do dono mas diferente o suficiente para que pelo menos alguns deles compreendam do que se trata, antes de qualquer outra criatura se dar conta da sua presença.

O resultado é magnífico. Uma história fúnebre, muitíssimo bem escrita, com o seu quê de poético, já com aquele tom que décadas mais tarde viríamos a identificar com o realismo mágico latino-americano, apesar de ter sido publicada em 1917. Dos melhores contos que li este ano.

Textos anteriores deste livro:

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