segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Rudyard Kipling: Rikki-Tikki-Tavi

Que eu tenha conseguido desfrutar deste conto de Rudyard Kipling, mesmo não o considerando propriamente uma obra-prima, comprova que sou perfeitamente capaz de me abstrair de ideias prévias sobre os autores e acolher cada obra enquanto tal: uma obra, fechada em si mesma e independente do autor e das outras obras do autor, mesmo que não de forma absoluta porque o contexto é sempre relevante. É que se não o fosse, a absoluta repugnância que o último conto que li de Kipling me causou podia ter-me impedido de sequer ler isto, quanto mais de gostar.

E de facto gostei, ainda que não muito. Rikki-Tikki-Tavi (bibliografia) é um conto que faz lembrar O Livro da Selva, do mesmo autor, na medida em que se trata de uma fábula cheia de animais antropomorfizados e baseada nas histórias tradicionais indianas. O título é nome de bicho, mais concretamente de mangusto, e a história narra como o heroico mangusto protege uma casa (de colonos britânicos, obviamente) e os animais que vivem na propriedade de um par de malignas serpentes, decididas a matar tudo o que mexa.

E eu digo fábula, mas não se pense que isso quer dizer que esta história respeita o que se entende geralmente por fábula na literatura tradicional europeia. Não existe aqui a típica liçãozinha moral e há uma maior atenção ao comportamento natural dos vários animais, o qual nas fábulas europeias está normalmente muito estilizado, ainda que este seja explicado com impulsos e motivações humanas. Numa comparação talvez espúria, eu diria que esta história está mais ou menos a meio caminho entre a fábula da tradição europeia e os textos daqueles documentários sobre a vida selvagem em que, numa tentativa de criar no espetador identificação e despertar o interesse pelo destino das várias criaturas, são dados nomes a cada leão, a cada babuíno, a cada hiena, e conta-se as suas histórias quase como se fossem pessoas.

E, tal como acontece com os documentários, também este conto tem como público alvo sobretudo a gente jovem, o que provavelmente explica em parte por que motivo eu até gostei mas não muito. Há aqui um simplismo e um maniqueísmo que tende a afastar-me, anulando parcialmente o gosto que dá ler prosa de tão boa qualidade. Porque a prosa é realmente bastante boa. Kipling sabia escrever, por mais duvidoso que por vezes fosse o que escrevia.

Textos anteriores deste livro:

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